quarta-feira, 14 de setembro de 2011

A PORTA/ MIROSLAV HOLUB

MIROSLAV HOLUB (1923-1998), foi um brilhante poeta checo e um imunologista de renome mundial. Dizia o Ted Hughes que ele seria um dos da meia-dúzia de poetas mais importantes a escreverem em qualquer parte do mundo - nesse momento em que o Hughes se lhe referiu – e, apesar do exagero que estas coisas têm sempre, se o viúvo da Sylvia Plath o disse, para mim é dogma. Estas cinco versões resultaram do cotejamento das traduções francesas e inglesas. 

1755

Neste ano, começou Diderot a empreitada
da Enciclopédia e em Londres foi aberto
o primeiro asilo para loucos. Assim se começou
a preceder à contagem dos sensatos, que se cobrem
de nomes, e dos insensatos, que depenam
incansavelmente o próprio corpo.
Os poetas devem aprender a arte dos funâmbulos.
E, para que não hajam dúvidas, palhaços sisudos
debitam instruções sobre a arte de tornar-se normal.


YOGA

Toda a poesia se resume
a quinhentos graus centígrados

Só os poetas julgam
ser diversamente inflamáveis.
Os que se maceram no álcool
são os primeiros a arder.

Que seriam eles sem a sua doença?
A doença é a sua saúde.

Ardem, os espantalhos de palha,
não se empanturram em Nietzsche,
o que não mata
engorda.

Fumam.
Chamuscam-se.
Mas agora só os maus iogues
queimam os seus pés
nos carvões em brasa.


A SÍNDROME DE JOB

O corpo não se reconhece mais.
De pequenos nichos na pele
ejectam-se os pequenos vampiros de olhos
fluorescentes, aos ziguezagues.

Enfermo como gastrópodes sem guelras.
Enfermo como o menir vertical
que inflama o olho da insónia.

Ao fundo mais negro do princípio,
debaixo de todas as crostas,
mesmo Job está, apesar de tudo,
agradado por estar vivo,

fora de tudo.


O ESPAÇO-TEMPO

Quando eu crescer muito, enorme, e tu
tão minguado
então -

(na teoria de Kaluz a quinta dimensão
representa-se por um círculo
conectado em cada ponto
do espaço-tempo)

          - então, depois de morrer, nunca mais voltarei?
                                              Nunca.
Nunca nunca?
                         Nunca nunca.
Bom. Mas nunca nunca jamais?
                         Não… jamais, jamais, nunca.
                         Estou a ver, nunca mais terei nuca.

E assim trazemos
a nossa contribuição familiar  
ao problema quântico da undécima dimensão
          super-gravitacional.



A PORTA

Abre a porta.
    Talvez haja lá fora
     uma acácia ou uma floresta
     ou um jardim,
     a magia duma cidade.

Abre a porta.
     Talvez um cão queira entrar.
     Talvez desponte um rosto
     um olho
     ou uma imagem
     e o seu detalhe.

Abre a porta.
      Em havendo nevoeiro
      há-de dissipar-se.

Abre o raio da porta.
      Mesmo que aí não haja
      senão a cintilante obscuridade,
      e que não haja para enxergar mais
      que um sopro roto,
      mesmo no meio
                do nada,
       abre a porta.

Ah, sentes
a brisa,
a passar?

  

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