quinta-feira, 22 de setembro de 2011

DO SILÊNCIO, MEDITAÇÃO NO BARBEIRO

foto picada no blogue Sorriso de Geia, que por sua vez...  

A medida do silêncio que cada um era capaz de aguentar tinha um valor de teste na Antiguidade. Agatão, padre do deserto, guardou durante três anos um seixo na boca para aprender a calar. Os noviços, na escola de Pitágoras, deviam reservar silêncio durante cinco anos antes de serem admitidos no círculo de iniciados. Era um voto que poucos aguentavam e que hoje nos pareceria de uma violência descabelada. Após cinco anos, o neófito podia consultar o guru, que permanecia oculto por trás de uma cortina.
Creio que o objectivo era despertar no discípulo uma desidentificação progressiva que lhe desencadeasse a escuta activa. A que grau? O ritual a que era submetido aquele que ia consultar o oráculo em Delfos talvez nos ajude a pensar. Este tinha de jejuar por três dias, caminhar por ladeiras com muitas milhas, ao longo de um estreito caminho, o tempo todo concentrado na suas perguntas. Depois na base da montanha tinha de tomar um banho de vapor. Após esse banho purificador, portando uma tocha, voltava a caminhar à noite por ladeiras ao longo dos degraus de mármore que conduziam eventualmente a uma câmara minúscula onde o aguardava o sacerdote, que, também havia sido preparado para o encontro.
Enxerga-se no cumprimento destas etapas e no processo da ritualização um esquema que expande, por impregnação, uma consciência de si que torna evidentes as respostas. Durante três dias o neófito tinha de seguir rigidamente determinados preceitos, que o faziam romper os seus hábitos e afastar-se das suas idiossincrasias básicas, ao mesmo tempo que se concentrava nas perguntas a fazer. A urgência de uma resposta que lhe desse a saída, a transformação desejada, levava-o a apurar as perguntas, do mesmo modo que se apura na pedra do amolador o gume de uma faca. A precisão de uma pergunta articula em si o gérmen da resposta. A divisão dos passos ritualizados entre um antes do banho purificador e um depois com a consulta a efectuar-se efectivamente de noite esclarece que a pequena câmara onde o sacerdote o espera é um útero e que a noite simboliza a alteridade, o outro readmitido em si após três dias de preparação. Ao purificar-se expurgou as emoções que o impediam de ver o pleno sentido da pergunta e o seu desenlace e a noite acrescenta-lhe uma súbita impersonalidade, uma distância propiciatória. Aceitando finalmente o outro como interior a si, ou, paradoxalmente, como a sua absoluta exterioridade, aquele que demanda vai ouvir ou ouvir-se? A sua consulta ao oráculo assemelha-se então a uma alucinação auditiva, onde se projecta o que foi incubando durante. O sacerdote funciona como ecrã, é, dir-se-ia hoje, o facilitador, e o silêncio (a rasura a que o cumprimento dos ritos reduz os condicionamentos dos hábitos e ilusões próprias) foi o método, a propulsão que levou aquele que busca uma resposta finalmente a escutar-se.
Porque, na verdade, na generalidade não nos queremos ouvir, dá-nos pânico e, como navios naufragados, aprendemos de garotos a desejar a algazarra.

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