segunda-feira, 29 de abril de 2013

QUEM PROTEGE OS NOSSOS SONHOS?

                                                                  robert doisneau


E mais não é preciso dizer:

Aprendi, nesse inverno,
o livro, mais do que o desenho,
protege o nosso sonho.

 Quem o escreve é o João Miguel (Fernandes Jorge), num dos poemas iniciais de O Regresso dos Remadores.
Quase no termo do livro leio:

Aquilo que
distingue a palavra ave da palavra pássaro.

E isto me basta.
Na ave pressinto os universais, na palavra pássaro diviso os singulares: e deste trânsito, do abstracto para o particular, se perfaz esta poesia tão repleta de hiatos, lapsos, elipses e pormenores. Por isso a sua densidade neo-platónica é perfurada pelo quotidiano, pela contingência.

Na primeira citação encontro algo que me agrada imensamente em João Miguel e que torna o seu lugar um poiso onde sereno sempre: o poeta nunca se esquece da extrema vulnerabilidade da vida e das paixões humanas, ao ponto de reservar para a leitura esse único porto seguro onde se protegem os sonhos.  A escolha do verbo aqui é importantíssima: trata-se de os proteger, não de expor, desbaratar, vulgarizar os sonhos. Essa é a triste escolha dos políticos e da arte de massas. A poesia reserva-se ao direito de não gastar o raro, protegendo-o da usura comum. Por isso será sempre ambivalente, mais visando a concretude das imagens que o realismo (há uma estúpida confusão em torno disto), um modo de deslocalizar a ordem no múltiplo:
Encarregado de velar o trabalho dos mortos
estava entre as crianças perdido
de aventura e ciúmes.   

 


1 comentário:

  1. Por isso será sempre ambivalente, mais visando a concretude das imagens que o realismo...
    Perfeito isso!

    Seguindo vc... na intenção de aprimorar minha sensibilidade...

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