EMIGRAÇÃO
Mais uma que se vai, grávida. Depois de ser atropelada, duas vezes, por um compressor de estradas. Ele fica, o compressor. Agarrado à chinesa que compra no Bairro Estrela. O primeiro filho já foi feito entre uma chinesa e outra, com a cabeça na prata. O segundo, imagino, entre um protesto e outro, dela, que se foi enfartando da nhurrice dele. Ele, como bom compressor de estradas, voltou a fecundá-la.
Ele era uma boa contadora de histórias, ele não se percebe o que viria a ser porque a prata cilindrou-o, encheu-lhe de furos as sinapses.
Dois tugas vencidos pelas amenidades tropicais.
Em que filme ouvi isto,
de que gostei tanto: “Como aguentar ainda esta tarde tão longa e adentrarmo-nos
noite fora?”. Terá sido no Lincoln?
Emprestava-lhe o meu x-acto sem parcimónia.
E ri como se fora a foz de um rio, primeiro tímida,
Depois envolvente, arrastando no seu passo os juncos
E os lírios da margem. O que aquela cicatriz fez por ela!
Assim me vejo eu em África – constrangido pelas adelas que fui construindo contra um mundo que me parece inapelável, predatório. Mas não é sempre assim, e em qualquer lugar? A realidade não acaba sempre por agredir-nos? Suspeito que a nossa percepção, em refocagens contínuas, nos leva a movimentos alternados de contração e de dilatação, seja qual for o horizonte em que nos situamos. E de vez em quando há que romper o perímetro do tonel, pois ninguém pode viver dentro de um periscópio.
José-Emílio Nelson é um dos poetas portugueses que gostaria de ter sido (é mais ou menos treze, o número do meu galo). Mas cada um nasce para a falta que lhe acena e, inacabadamente, não sou Nelson, nem mesmo Trafalgar Square.
Entretanto, ser adulto é aceitar que nem sempre o fluxo nos corre bem e que a evidência nos desapropriou de algo que deu aos outros. Por isso, como Jarry, depois de lhe ler os livros só me cabe, como ao criador da Patafísica à beira da morte, “pedir um palito” – pois que mais se pode suceder ao festim da vida?
Olhar uma página com o sentimento de que a pedra avança na direcção da vidraça que nos protegia, eis muitas vezes o que me acode ao lê-lo. Ainda bem que ele nos sabe desproteger assim.
Por isso escrevi uma carta ao mafarrico, carta que tinha nó, e não era desinteressada, mas que procurava imitar o respeito que lhe tenho. E o respeitinho é muito bonito. E foi assim:
CARTA AO ALMIRANTE JOSÉ EMÍLIO-NELSON,
EXILADO NAS BARBAS DO CAMARÃO DE ESPINHO
Temendo embora que se te gaste a borracha
em pívias vãs, aí te mando matéria
para o degredo, a despeito
da melhor ejaculação. O mau passo
que dei ao coligir um book de sonetos
de que nem conta dei de ter escrito
e que resume trinta anos
da mais estulta inconsciência,
‘inda que, num vislumbre ou outro,
observada. Gostava agora
de publicar esta gaita (mais esburacada
que a frauta de Pã) em Portugal,
terra espúria e onde até o traque
é de exportação, mas que guarda,
sepultos, os ossos de minha mãe
(- Deus, que é ateu, a tenha em descanso!).
Pensei na Afrontamento, alunagem
em território onde nobody me
(re)conhece e o livro poderá ser lido
com o exacto peso com que pisa
a passerelle e não por do meu simpre
nome ressumarem espumas ou urtigas.
A que grada figura hei-de eu dirigir
o envelope para que o meio quilo
de grilos não se fritem em casa
do porteiro? Esse alguém, o til
de tantas águias en telle maison
d’edition, capaz de dizer não
em vez de encapsular o incauto
na vagem do silêncio, que nome tem?
Sabes que a oito mil milhas, neste tesoiro
de regurgitada penúria, nada transpira
da manhosa dança das cadeiras
no reino da edição. Cismo
porém, neste alcoolizado dispêndio
de nada saber, que uma secretária
ao lado (atchim!)… e eis-me trajado
de pijama para o túmulo!
A quem pois dirigir a missiva
de exilado, desd’ estes recônditos
trinta por cento de Oriente do Pessanha?
Poder-me-ás tu socorrer, meu
glabro e grisalho galagala
de prepucial gabardina,
em ínvia e inatazanada esgalha?
E mais não peço e defiro:
um beijo e duas berlaitadas!
EXILADO NAS BARBAS DO CAMARÃO DE ESPINHO
Temendo embora que se te gaste a borracha
em pívias vãs, aí te mando matéria
para o degredo, a despeito
da melhor ejaculação. O mau passo
que dei ao coligir um book de sonetos
de que nem conta dei de ter escrito
e que resume trinta anos
da mais estulta inconsciência,
‘inda que, num vislumbre ou outro,
observada. Gostava agora
de publicar esta gaita (mais esburacada
que a frauta de Pã) em Portugal,
terra espúria e onde até o traque
é de exportação, mas que guarda,
sepultos, os ossos de minha mãe
(- Deus, que é ateu, a tenha em descanso!).
Pensei na Afrontamento, alunagem
em território onde nobody me
(re)conhece e o livro poderá ser lido
com o exacto peso com que pisa
a passerelle e não por do meu simpre
nome ressumarem espumas ou urtigas.
A que grada figura hei-de eu dirigir
o envelope para que o meio quilo
de grilos não se fritem em casa
do porteiro? Esse alguém, o til
de tantas águias en telle maison
d’edition, capaz de dizer não
em vez de encapsular o incauto
na vagem do silêncio, que nome tem?
Sabes que a oito mil milhas, neste tesoiro
de regurgitada penúria, nada transpira
da manhosa dança das cadeiras
no reino da edição. Cismo
porém, neste alcoolizado dispêndio
de nada saber, que uma secretária
ao lado (atchim!)… e eis-me trajado
de pijama para o túmulo!
A quem pois dirigir a missiva
de exilado, desd’ estes recônditos
trinta por cento de Oriente do Pessanha?
Poder-me-ás tu socorrer, meu
glabro e grisalho galagala
de prepucial gabardina,
em ínvia e inatazanada esgalha?
E mais não peço e defiro:
um beijo e duas berlaitadas!
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