Leopoldo Maria Panero é um dos mais surpreendentes
poetas do século XX em Espanha, um homem sempre no limite da loucura e na borda
do pensamento. Este conjunto de poemas cuja versão fiz é extraído do livro
Teoria del medo, publicado pela Igutir/Poesia, em 2000:
Como dizia
Derrida, todo o poema corre o risco de carecer de sentido e não seria nada sem
esse risco. E mais do que a morte o que nos produz medo é, nas palavras de
Eliot, o terrível momento de não ter nada em que pensar. Nada em que pensar,
nada em que falar, nem nada que sentir: só um terrível e belo pesa-nervos.
Dado que a
beleza é um absurdo e não responde a nenhuma lógica. E isso, não apenas a
beleza do poema como também a beleza física do homem, tão absurda e inexplicável
como o poema. Tão absurda e inexplicável como o espírito, ainda que certamente
a inspiração exista. E a inspiração é um dado que contradiz o real, que burla o
real, que ri do espírito e ri para destruir a realidade. Posto a realidade não
ser pura e atender como um criado ou chamar-se Epicélia.
Assim, o
matraquear de mandíbulas do chamado esquizofrénico e a sua risada inexplicável
é um acto canibal como o poema quereria ser: um acto canibal, um intervalo no
desespero, como o pirete que suspende a vida.
Sou um ninho de
cinza
a que afluem os
pássaros
procurando o maná
da sombra
a flecha cravada
no poema
o beijo do
insecto.
e o soldado azul
que luta contra a vida
com a culatra de
sua baba
com o fio do seu
cu
que ao defecar
desfecha uma anaconda.
e quanta dor
para medir o
verso
e esquecer a
chama
que cresce aos
meus pés:
porque o único homem
supremo
é aquele que
está morto, e já não é.
mas
sem o dizer»
Mallarmé
Amemo-nos sem o
dizer
porque o amor
não se diz
estando aí, não
se diz
porque a palavra
não é amor,
mas sim um
assassino
às portas do
palácio e o brilho
de tuas costas:
oh destruição a
minha Beatriz segura
o esquecimento
como os esporos
poliniza os
versos.
Não sei se tartaruga
ou tumba
morto ou vivo,
morto ou vivo
não sei se anjo
ou desastre
morto ou vivo,
morto ou vivo
não sei se
espírito ou lagarta
morto ou vivo,
morto ou vivo
não sei se
alucinação no escuro
o prémio para o
desastre
a vida é um mau
pensamento
este poema que
ainda supura.
o ouro
sobre o qual cai
a chuva
de dezembro
estação das
chuvas
e do pranto.
Vi no metro um
homem imensamente belo
a olhar os
homens como se cheirasse um peido
e levava na
testa a marca da justiça
o 5, o branco do
5
que foi dividir os
céus
do canto mais no
negrume
de um bar onde
alguns
criam que
existiam
e que entre eles
havia já um desperto
que olhava a
cena como se existisse.
Puseram nos
lábios de Nosso Senhor
um verme
e o verme galgou
a página
temeroso do
porco, do lírio,
e da página
e da lágrima do diabo
nas comissuras de
Nosso Senhor
O horror é tão-somente
um sussurro
que só ouvem as
caveiras
e na minha mão,
como se fosse o poema
coxo o crânio de
Yorick.
Homem sou e
pareço um homem
num ninho de
ratazanas
que correm e
correm ao redor do poema
cujo único
medronho é a morte
a morte que
corre como uma ratazana
sobre a tumba do
poema.
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