sexta-feira, 26 de abril de 2013

LEOPOLDO MARIA PANERO: TEORIA DO MEDO

Leopoldo Maria Panero é um dos mais surpreendentes poetas do século XX em Espanha, um homem sempre no limite da loucura e na borda do pensamento. Este conjunto de poemas cuja versão fiz é extraído do livro Teoria del medo, publicado pela Igutir/Poesia, em 2000:
 
Escuto com os meus olhos aos mortos, dizia Quevedo, referindo-se ao cruel acto da leitura. Agora bem, sendo toda a linguagem um sistema de citações, como dizia Borges, todo o poema é um poema sobre um morto.E chama-nos a morte, desde o poema, como a sua única, possível, realidade. Disse Malraux: «só a morte transforma a vida do homem em destino». Nós diremos: só a morte transforma o poema em poema.
Como dizia Derrida, todo o poema corre o risco de carecer de sentido e não seria nada sem esse risco. E mais do que a morte o que nos produz medo é, nas palavras de Eliot, o terrível momento de não ter nada em que pensar. Nada em que pensar, nada em que falar, nem nada que sentir: só um terrível e belo pesa-nervos.
Dado que a beleza é um absurdo e não responde a nenhuma lógica. E isso, não apenas a beleza do poema como também a beleza física do homem, tão absurda e inexplicável como o poema. Tão absurda e inexplicável como o espírito, ainda que certamente a inspiração exista. E a inspiração é um dado que contradiz o real, que burla o real, que ri do espírito e ri para destruir a realidade. Posto a realidade não ser pura e atender como um criado ou chamar-se Epicélia.
Assim, o matraquear de mandíbulas do chamado esquizofrénico e a sua risada inexplicável é um acto canibal como o poema quereria ser: um acto canibal, um intervalo no desespero, como o pirete que suspende a vida.
 
 
Sou um ninho de cinza
a que afluem os pássaros
procurando o maná da sombra
a flecha cravada no poema
o beijo do insecto.
 
 
 
 Ah o firmamento azul da saliva
e o soldado azul que luta contra a vida
com a culatra de sua baba
com o fio do seu cu
que ao defecar desfecha uma anaconda.
 
 
 
 Quanto ouro há na ruína
e quanta dor
para medir o verso
e esquecer a chama
que cresce aos meus pés:
porque o único homem supremo
é aquele que está morto, e já não é.
 
 
 
 «com os teus lábios
mas sem o dizer»
          Mallarmé
 
Amemo-nos sem o dizer
porque o amor não se diz
estando aí, não se diz
porque a palavra não é amor,
mas sim um assassino
às portas do palácio e o brilho
de tuas costas:
oh destruição a minha Beatriz segura
o esquecimento como os esporos
poliniza os versos.
 
 
 
 TEORIA DO MEDO
 
Não sei se tartaruga ou tumba
morto ou vivo, morto ou vivo
não sei se anjo ou desastre
morto ou vivo, morto ou vivo
não sei se espírito ou lagarta
morto ou vivo, morto ou vivo
não sei se alucinação no escuro
o prémio para o desastre
a vida é um mau pensamento
este poema que ainda supura.
 
 
 
 Ah o triste leão que se busca no bosque
o ouro
sobre o qual cai a chuva
de dezembro
estação das chuvas
e do pranto.
 
 
 
 O ANTICRISTO
 
Vi no metro um homem imensamente belo
a olhar os homens como se cheirasse um peido
e levava na testa a marca da justiça
o 5, o branco do 5
que foi dividir os céus
do canto mais no negrume
de um bar onde alguns
criam que existiam
e que entre eles havia já um desperto
que olhava a cena como se existisse.
 
 
 
 BÚFALO BULL IS DEFUNCT
 
Puseram nos lábios de Nosso Senhor
um verme
e o verme galgou a página
temeroso do porco, do lírio,
e da página
e da lágrima do diabo nas comissuras de
Nosso Senhor
 
 
 
 O QUE SHAKESPEARE ME DISSE AO OUVIDO
 
O horror é tão-somente um sussurro
que só ouvem as caveiras
e na minha mão, como se fosse o poema
coxo o crânio de Yorick.
 
 
 
 CAVALCANTI
 
Homem sou e pareço um homem
num ninho de ratazanas
que correm e correm ao redor do poema
cujo único medronho é a morte
a morte que corre como uma ratazana
sobre a tumba do poema.
 
 
 

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