sábado, 22 de outubro de 2011

O ANJO DEFLAGRADO EM PUAS



Kadhafi, el testarudo.
Foi um gran capitan. Baleou pelas costas aqueles a quem devia ter sido fiel. E depois foi corroendo o carácter do seu povo para se grudar ao poder, corrompendo, intrigando e dividindo, enquanto afagava o dorso dos seus cavalos e camelos.
Uma vez quis mostrar a Moçambique como era generoso e prometeu quatro tractores, que teriam de ser devolvidos ao fim de dez anos, mas com todos os pipos intactos e um ronronar ainda católico. Não faço ideia se foram entregues ou se as autoridades temeram pela manutenção de tais máquinas.
Tenho um conhecido que lhe escreveu uma biografia e que no mesmo dia em que o coronel prometia bombardear o seu povo me jurava que ele era um bom moço. Mas o industrioso anda por toda a África a fazer biografias de quem está no poder – porque será?
Com piada, ao Kadhafi reconheço uma: aterrar na Europa para acampar tem a sua graça, ainda que ainda hoje não se saiba se os preservativos encontrados nos recantos dos jardins de Itália serão do Berlusconi, seus, ou dos seus dromedários de estimação.
Também lhe invejava os penteados e a guarda-pessoal de moçoilas.
África vai derramar lágrimas de crocodilo. O tenente em chefe da OUA, que igualmente torturou o seu povo, vai ter uma semana de impropérios contra a Nato. Zuba dará descanso às suas 4 ou 5 consortes para produzir um elogio ao cérebro visionário del gran capitan (pena não ser bantu), Mugabe decretará luto nacional durante três dias e Eduardo dos Santos vociferará conta a cruzada ocidental.
E peço aos líderes africanos: indiquem-me um escritor líbio de valia, indiquem-me um atleta líbio de valia, um xadrezista líbio de valia, um cientista de valia, um futebolista líbio de valia, uma dançarina de streap-tease líbia de estalo, um poeta líbio de valia,  um empresário líbio de renome, e um astronauta líbio, ou um cineasta, um engenheiro informático líbio conhecido, ou um filósofo líbio incontornável.
Da Líbia só se conhecia o seu líbio e o obstinado rigor da merda dos seus cavalos e camelos.
Não será isto bastante para se derrubar um líder após 40 anos que só produziram o deserto à sua volta? Os povos cansam-se de terem a memória assassinada.
O drama é que o mundo se tornou tão cínico (e nós com ele) que não sei se o dinheiro gasto nas operações militares e humanitárias para naufragar um pavão líbio não seria, feitas as contas, mais útil para resgatar a Grécia e “dessofucar” a Irlanda e Portugal. Esse esforço orçamental para derrubar um tirano que com a sua Revolução Verde queria pôr um povo a comer macedónia, por outro lado desviou as atenções das vilanias de Berlusconi e das manobras de Merkel que tem cada vez mais o ar de uma ex-freira que engravidou depois de ter sido galada por um pinguim, e deu uma diversão à Europa enquanto se lhe ocasionava um nó nas tripas.
Esgotada a última das diversões, que restará a África e à Europa para rirem de si mesmo?

4 comentários:

  1. Manuel Augusto Araújo22 de outubro de 2011 às 06:07

    .António, calma tem calma! A realidade é a pior das ilusões!
    Coisas ditas dessa maneira são o biombo da realidade! Tens a virtude de escreveres com velocidade e desenvoltura invejáveis. Espreme-se o texto, parece que finado Kadhafi a Líbia vai entrar no melhor dos mundos! Não vai!!! Julgas que os rebeldes, aquela coisa que vai da Al-Quaeda à CIA (estará a reeditar-se a história dos talibãs?) e que, segundo um general do comando da Nato seriam varridos em dois dias (sic) se a Nato não andasse por lá a bombardear do ar com militares no terreno travestidos de guerrilheiros, vai atapetar o deserto a caminho da democracia? Não vão. Se a Nato não andasse a bombardear a torto e a direito, matando milhares de civis líbios, o resultado seria o mesmo do que acontece agora. Kadhafi massacraria os rebeldes como os rebeldes estão a chacinar os seguidores de Kadhafi e as tribos que não se puseram completamente contra ele. O pior, o pior virá depois! É que com Kadhafi, mal ou bem, o petróleo rendia para a Líbia, o povo líbio e para a família Kadhafi, evidentemente. Os resultados, viam-se! A taxa de mortalidade baixou drasticamente. O analfabetismo passou de 95% para 12,5%. A escola até ao secundário era gratuita. Não havia universidade mas os líbios eram subsidiados a 100% para irem estudar para o estrangeiro. Dirás, apoiantes de Kadhafi, com o Livro Verde decorado e juras de amar platonicamente as amazonas, por quem batiam frenéticas punhetas! Pois sim mas iam estudar o que, para um povo analfabeto, era um avanço considerável. O nível de vida e a esperança de vida na Líbia, é um dos maiores de África. Mesmo o sistema faraónica de irrigação conquistou muitos quilómetros quadrados ao deserto. Disto não se irá ouvir falar ou então a comunicação social não seria o que é.
    Era um ditador pop-star pois era! Mesmo quando os jornalistas estipendiados, agora há-de ser um ver que te avias não muito diferente dos governantes que andaram a passear de mão dada com o coronel, quiseram mostrar a vida de luxo da família Kadhafi exibindo a garagem com a frota automóvel, esqueceram-se que todos aqueles automóveis eram para aí 2/3 do preço de um de só Bugatti Veyron que nessa mesma semana tinha sido vendido e entregue a um familiar de um ditador amigo de um daqueles países árabes que andam sobre toalhas de petróleo.
    Nem sequer me divertia com aqueles cenários das tendas e das amazonas e as vestimentas com reminiscências cartaginesas. Veremos o que o futuro reserva à Líbia que, posso estar enganado, vai explodir numa guerra entre quem melhor se vende aos interesses ocidentais. Resta saber quem, no futuro, irá mais beneficiar com os lucros dos recursos naturais líbios que com Kadhafi eram maioritariamente drenados para a Líbia, apesar de ele cobrar uma generosa percentagem. A Líbia, agora que andam todos a ruminar dívidas soberanas, era um país com uma balança excedentária. Veremos o que irá acontecer e se não se voltará aos tempos do rei Idriss. Ao colonialismo, suave quanto baste para ser o mais violento possível. ( continua)

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  2. Manuel Augusto Araújo22 de outubro de 2011 às 06:09

    Dizia Bernard Shaw que sempre que se quer converter um selvagem ao cristianismo, se converte o cristianismo à selvajaria. Se olhares para o Afeganistão tens um bom exemplo. Para combater um regime próximo dos soviéticos andaram a financiar e a instruir um bando de de guerrilheiros pela liberdade, os talibãs que retrocederam para a idade média. Acabaram com os direitos das mulheres e dos homens, com um princípio de reforma agrária que estava a eliminar a plantações de papoilas, o fim dos senhores da guerra, etc., etc.. Conseguiram-no com uma guerra civil sangrenta lançada a partir dos mesmos santuários paquistaneses que agora querem controlar. Derrubaram os monstros que criaram criando novos monstros, que matam, torturam e são corruptos como os monstros anteriores com quem agora negoceiam. Ah! E o Afeganistão tem uma agricultura novamente próspera… de papoilas!
    Pensas que com a morte de Kadhafi a Líbia vai deixar de ser uma sociedade feudal, tribal e violenta em que os crimes de sangue lavam a honra? Julgas que as mulheres na Líbia pós-Kadhafi vão gozar de maior liberdade? Julgas…
    O teu texto é literariamente muito interessante e, pelo que li vai alegremente para o Facebook no Brasil, por cá também provavelmente. Só que o seu peso literário ilude a realidade política.
    Claro que isto é uma bota difícil de descalçar se queremos ter uma visão política lúcida. Dizemos mal de uns e esquecemos quão maus são os outros. Há ditadores amigos que passam a maus quando deixam de ser amigos? Berlusconi tem esperança que a democracia entre com o vento do deserto na Líbia? Obama enquanto faz contas ao que vai ganhar directamente, e indirectamente impondo o dólar como moeda de troca, saúda a Líbia por ter chegado á democracia! Chegou? Vai chegar mesmo que haja eleições? Por aí fora, porque estrénuos democratas como estes, estão sempre prontos a espalhar a semente democrática com empenho de cruzados, é o que não escasseia neste nosso mundo.
    Quem sou eu para estar para aqui a escrever isto! Mas acho que o deveria fazer sem o teu brilho literário, mas com um olhar que suponho ser mais perfurante sobre a realidade, sobretudo menos emocional.
    Fortíssimo abraço

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  3. Manuel Augusto Araújo22 de outubro de 2011 às 06:41

    O dinheiro empregue na guerra da líbia poderia ser usado em Portugal, na Irlanda, na Grécia. Poderia. só que a guerra na Líbia serve o sistema do ponto de vista material pelos recursos naurais e imaterial, pelo que ocupa a opinião pública distraindo-a dos seus próprios dramas. Dinheiro há sempre que se queira como viste há duas semanas atrás em que, de um dia para o outro,apareceram noventa mil milhões de euros para salvar um banco, o Dexia, da falência. A questão é outra, Kadhafi e os futuros kadhafis são peças da engrenagem do sistema. Kadhafi, reabilitado das suas malfeitorias e brutalidades, cometeu um erro, esse sim imperdoável, começou a vender gás e petróleo, não usando o dolar nessas transacções. Assinou a sua sentença de morte. O sistema funciona assim. É implacável e totalitário. O beduíno a passear pelos salões mundanos, esqueceu-se dessa realidade.Há uma ameaça que paira sobre as nossas cabeças: este sistema está decadente mas dispõe de um enorme poder militar! Devemos estar atentos, actuante e sempre a ver para lá dos kadhafis. Esta é mesmo para acabar. Escrevi tanto que parece vingança das vezes em tentei e tudo ia para a um cemitério que deve estar num ponto qualquer do trópico. Forte abraço virtual já que não vens cá lançar o livro e não consigo ir ao Brasil

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  4. António, calma tem calma!

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