quarta-feira, 26 de outubro de 2011

CARTA AO MANUEL DE FREITAS


Uma vez, com vinte e poucos anos, editei um livrinho e fui a correr para o Expresso, uma tasca do Largo da Misericórdia onde paravam algumas águias e uns quantos abutres, na ânsia de mostrar o filhito à passarada. Depois de ter pago dois copos de vinho ao Luis Pacheco, este acedeu em ver a versalhada do mano. Ao terceiro copo que lhe paguei fez o seu comentário: abriu o livro ao meio e assoou-se com ele. Literalmente. 
Prometi a mim mesmo que quando crescesse nunca seria como o Pacheco. Que passei a detestar  como pessoa, embora o continuasse a ler em alguns recantos da sua verve. E que hoje acho apenas uma figura folclórica, com meia dúzia de textos embrulhados numa auto-complacência que deploro e que claramente o não fez crescer.
Mas, portanto, prometi a mim mesmo que nunca agiria como ele, que nunca confundiria remoques com ideias, nem créditos com paixões, nem os outros com inimigos – e que escolheria sempre a benignidade à maldade.
Ora, isto não é um programa, o género humano é feito de sangue e às vezes caímos em contradições e injustiças danadas. Tantas delas escusadas, inoportunas, idiotas.
Foi o que me aconteceu ao escrever num post anterior este mimo acintoso: «(fui sempre mais de tascas rascas, como o Manuel de Freitas, só que a mim o dinheirinho saía-me do pêlo)».
Nem dei conta da enormidade da coisa porque nem tudo o que escrevo penso. Depois dois ou três amigos inquiriam-me e fui ver. Estou um bocado corado de vergonha.
Por algumas razões simples. Porque nada me move contra o Manuel e gosto bastante dele como poeta. Porque nem sei se lhe sai do pêlo ou não, nem tenho nada com isso – sendo como tal um juízo canino, alarve e despeitado. Porque dá a ideia que temos alguma guerra que nunca tivemos, nem nos conhecemos. Porque a mim, como tenho mostrado no blogue, o que empurra é a discussão de ideias e não as tricas pessoais. Porque o momento exige debate e uma maior equidistância, a ética da distância de que falava o Nietzsche. Porque é muito melhor inventar que andar com rábulas de fogo preso. Porque os afectos são muito mais merecedores da nossa atenção do que o tique da verve… Podia juntar mais cinquenta.
Ir agora a correr retirar a frase seria uma hipocrisia e uma cobardia. Não, eu prefiro olhar limpidamente as pessoas nos olhos e dizer: desculpa Manuel de Freitas, naquele momento estaria zangado com alguma coisa que não contigo e desviei inapropriadamente para ti. Foi cabotino e indigno. Não o merecias. Nem eu. Um abraço.

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