quinta-feira, 20 de outubro de 2011

ABYSMOS


E duma só vez caiem-me dois céus em cima da cabeça, o de Portugal e o do Brasil. E eu tão arredado do pote da poção mágica, e sem nunca lá ter caído em pequeno como o Obelix.
No Brasil publica-se o meu primeiro romance, A Maldição de Ondina, um thriller político que é simultaneamente uma homenagem à literatura e uma ficção anti-exótica, e no qual se parodiam alguns processos do imaginário africano, tal como este é laboriosamente fabricado pelos Departamentos de Literatura Africana (vêem, como num primeiro romance se quer sempre meter o Rossio na Betesga?). Tudo isto com uma estrutura à Robert Altmann (pior a emenda que o soneto).
Mas não se assustem os meus caros amigos com a embrulhada pois como diz Adelto Gonçalves no posfácio:
este é «livro que tem tudo para empolgar o leitor brasileiro não só por suas qualidades literárias como pelas marcas de várias culturas afins ao Brasil que impregnam suas páginas. Como toda boa metáfora, o título A Maldição de Ondina tem duplo sentido. Ou seja, explica o fenômeno que faz parte da natureza intrínseca dos golfinhos, mamíferos que não podem dormir jamais, já que, para sobreviver, necessitam vir à tona de cinco em cinco minutos para respirar. E, portanto, não podem esquecer a condição em que vivem, sob o risco de desaparecerem.
Não se pode esquecer que a referência à Ondina, ninfa das águas na mitologia germânica, serve também para qualificar uma rara síndrome – em 2006, havia apenas 200 casos conhecidos no mundo –, cujas formas graves exigem que a pessoa receba ventilação mecânica 24 horas por dia. Ou seja: vigília ininterrupta.
Mas explica também o sentir e o estar africano ao longo dos séculos. Um povo – feito de muitas nações, etnias e tradições milenares – que está condenado à permanente vigilância, diante daqueles povos que se mantêm sempre à espreita para espoliá-lo, como fizeram os europeus por séculos a fio. E, agora, ao que parece, fazem os chineses, os colonizadores do século XXI, que estão a explorar as florestas do Norte de Moçambique até o ponto de transformá-las em vasto deserto. Sem esquecer aqueles que saem do próprio povo africano – que, afinal, é resultado de muitas e distintas etnias – e que, no poder, acabam também por espoliá-lo. Mas essa não é uma característica do africano, mas da espécie humana, seja lá qual for a sua matiz de cor.
É o que se pode sentir neste romance de Cabrita, um retrato de uma África pouco conhecida no Brasil, mas facilmente reconhecível, que se desenha na vida de meia dúzia de personagens: César, luso-moçambicano, professor e escritor de romances policiais; Raul, amigo de César, policial; Beatriz, mulher de César e professora universitária na área de Literaturas Africanas; Argentina, concubina de César por dez anos e gestora numa ONG; Aurora, antiga ama-seca de César e sua cozinheira; e Filipa, irmã de César e médica. Além de outros personagens secundários apenas citados, como a famosa atriz Rita Hayworth (1918-1987), estrela de Gilda (1946), que, entre outros casamentos, viveu com o príncipe Aly Khan, de 1949 a 1953, num palácio na Ilha de Moçambique, para quem, no romance, Aurora – provavelmente, macua ou maconde – teria prestado serviços culinários.
Observador arguto do linguajar moçambicano, Cabrita constrói os diálogos com fidelidade à oralidade (…) O estilo de Cabrita é de fácil e envolvente leitura (…) (e o texto) não deixa de explorar todas as técnicas desenvolvidas pelos grandes mestres da literatura. Com mestria, Cabrita recorre ao discurso indireto livre sempre que pode, etc., etc.»
Lá me deslocarei em Novembro para o corte da fita, as entrevistas e o bate-papo do costume. Infelizmente, vou a S. Paulo e a Ribeirão Preto mas não conseguirei ir ao Rio, again. O livro saiu agora do prelo, i. é, da tipografia. Aqui deixo a capa, onde se reconhece um desenho do Ídasse, um dos melhores artistas plásticos de Moçambique.
A editora é a Letra Selvagem, vejam aqui, capitaneada pelo Nicodemos Sena, que é para além disso um excelente romancista.


O segundo céu é mais baixo e pesado, porque a coisa está preta, é o de Portugal, onde também acaba de sair um livro - O Branco das Sombras Chinesas -  que escrevi a quatro mãos com o João Paulo Cotrim, uma novela policial encharcada de humor e magnificamente ilustrada pelo João Fazenda e que é um portento gráfico. 
Não mostro imagens porque a capa aparece-me codificada neste computador e não sei desfazer o imbróglio, pelo que terei de a pôr noutro post.
Nela contam-se as aventuras de João David que no primeiro capítulo acorda na lota de Cascais com uma orelha arrancada que vai descobrir num frasco de formol atrás de um Buda no Pavilhão Chinês, ao que se seguem as extorsões, cólicas e desenrascanços do costume, e nem falta uma candidata a primeira-dama ofuscada por um transexual de primeira água. Claro que o crime é económico, pois nós estamos sempre à la page.
Depois vos direi onde se compra.
Infelizmente não me deslocarei a Portugal para o evento, uma festa de arromba com o Cotrim, tão desopilada e louca como sempre. Na última vez que estivemos juntos decapitámos a cabeça de um anjo na Igreja de S. Roque e substituímo-la pela cabeça do Harpo Marx, mas não digam a ninguém que fomos nós.
A editora é a Abysmos, que a avaliar pelo cuidado colocado nesta edição promete.

5 comentários:

  1. chapeu! sim sra. parabens dr. e quando e que nos otros teremos acesso aos dois books?

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  2. Parabéns! Mete tudo cá para fora!

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  3. Tu não editaste uma vez uma coisa (poesia) chamada Abysmos da mão?

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  4. Manuel Augusto Araújo21 de outubro de 2011 às 02:54

    Bravo! num repente dois! e os que andam nas gavetas? nas gavetas materiais, físicas que nas outras já se sabe que o material está sempre em ebulição. Fornalha inextinguível!
    Avisa quando saltará esse para as livrarias em Portugal! A maldição de Ondina é magnifico, também deveria ser editado em Portugal. Livros de editoras brasileiras por cá, como sabes...
    Um grande abraço, voa bem e volta rápido!

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  5. Diz-me lá quando chegas a S.Paulo! Soua gajo para te ir lá dar um abraço. Compus uma musica para uma cantora de S.Paulo que ainda nem conheço pessoalmente e seria uma possibilidade emparelhar esses dois coelhos.
    A prosa do Kaddafi vai para o meu FaceBook, para gerar aquele burburinho típico que se desenrola como papel higienico ao longo da tela (eis-me pensando em brasileiro).
    Diz-me também porque não andas pelo Facebook, a ver se coinscide com a s razões que eu imagino.
    E aquele mail do outro dia nao percebi nada, esqueceste-te de anexar o anexo!
    À nossa! Tchim
    Aquela coisa do Cotrim e do Fazenda deu ciúmes. Pena não conseguir ver a capa. O que vale é que mais dia menos dia, a Luna te irá mitigar a incompetência funcional no que toca aos computadores.
    Um agrande abraço

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