domingo, 9 de setembro de 2012

DESCRISTALIZAÇÕES II

 
Escreve Jaime Gil de Biedma, no seu Retrato del Artista en 1956, ao relatar a sua
Ida para Manila:
 
«Desligado do meu poema desde o passado dia 26; saí da situação. Isso significa que chegarei ao final muito mais tarde do que pensava – impossível trabalhar aqui durante os dias que me restam, e até que me sinta estabelecido em Manila e possa distrair-me do mundo exterior, terá passado pelo menos mês e meio. Ainda que sair-se da situação também tenha vantagens; vê-se mais claramente de que lado queremos extrair o poema e é mais fácil renunciar aos pequenos efeitos que se tinha tanto empenho em conseguir.»
 
Gosto da dialéctica da distância a si (ou ao poema)
relatada neste excerto. Leiamos a coisa ao ralenti:
abstrairmo-nos no mundo exterior desaglutina-nos 
e fica o nosso olhar sobre o poema mais objectivo,
menos coalhado (menos permeado pelo afecto).
O que nos permite anular os adornos da retórica (os efeitos
adstringentes à ideia de poema) com que o contaminávamos.
Volta aí o poema a estar dotado de um equilíbrio instável
que lhe empresta, a um tempo, tensão e porosidade.
É como um enquadramento no cinema: deve tender
ao desequilíbrio, ao off - o que importa é a sequência,
a cena, e não o plano. Deste modo um verso alimenta-se
do desequilíbrio do anterior, sendo um verso forte aquele
que se estranha, obtuso a si mesmo.  Implicando isto
uma claridade turva e não cristalina.
Metermo-nos em situação com o poema é o primeiro acto
- o gesto de impregnação.
Depois, deixarmos que o exterior, o fora do poema,
crie uma momentânea dissociação pode ser útil
porque arranca o poema à sua estimulação auto-referencial.
O diálogo que se instaura entre o projecto do poema e o acidente
levanta a aragem que o descristaliza.
Descristalizar é preciso!
 .

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