quarta-feira, 26 de setembro de 2012

«COMO NO SABE DE AMOR, PIENSA QUE TODO ES BURLAR»


 
Leio no Público de hoje:
«Os homens castrados que serviram os reis da Coreia ao longo de séculos viveram, em média, 14 a 19 anos mais do que os seus congéneres não castrados, conclui um estudo publicado ontem na revista Current Biology.
(…) Uma maneira de abordar a questão tem sido justamente através dos efeitos a longo prazo da castração masculina. Um estudo realizado na década de 1990, por exemplo, mostrou que a castração permitira prolongar em 14 anos a vida de doentes internados num hospital psiquiátrico quando comparados com os doentes não castrados. (…) Resultados deste tipo poderão permitir perceber melhor o envelhecimento humano, dizem os autores. Mas entretanto, acrescentam em comunicado, os homens não devem esquecer que, "para ter uma vida longa e saudável, convém evitar o stress e aprender o que podem junto das mulheres."
E tremo porque já estou a adivinhar o que vai ser vendido como nova panaceia social.
E em troca de 15 anos quantos infelizes não aceitarão o repto?
 
Prometheus, de Ridley Scott. Há muito que não via nada tão mau. Tanto desperdício de talento, de meios… o autor desbarata uma reputação que o secundava. Não se pode fazer isto e Blade Runner – ou pode-se, mas é lastimável. E para quê voltar ao Alien e à sua concepção macarrónica sobre o que seja o outro e a sua natureza. Esta coisa de “o outro” ser uma espécie de condensação do mal é uma infeliz herança gnóstica (o mundo como artefacto avariado de um mau demiurgo), mal assimilada e maniqueisticamente transmitida. À chegada ao planeta, assim que os cientistas fazem o seu primeiro meeting para se inteirar devidamente sobre os objectivos da missão percebemos logo que são adolescentes retardados e intelectualmente imaturos. Depois levam pela medida grossa – pelo meio divaga-se sobre a alma dos robots, e até se esboça um arremedo de Rei Lear. Não há paciência!
 

As fotos do Kok desapareceram. Ou sabe-se onde estão mas não se conhece qualquer plano para as divulgar, o que dá no mesmo. Imprudente foi também a intimação da família para que a pessoa que as estava a escanar – em baixa resolução, só para identificação futura – apagasse os seus arquivos. Tudo notícias tristes.
Por outro lado chega de imagens: a Kodak matou o mundo. É preciso redescobrir o implícito das imagens, o que se debilitou com a duplificação do objecto e, sobretudo, na maior parte das vezes, com a amputação, na figura, da rede de relações que a sustentava e animava.
Os grandes fotógrafos mantém vivo esse fio secreto, esse vínculo – os de todos os dias liquidam-no. A chatice é que o Kok pertencia claramente aos primeiros.

 
O ouro, o ultramar, o cinábrio,
belas cores que ainda brilham nos velhos manuscritos,
para além de se ter perdido o sentido do que ilustravam.
Ouvir um som de repente
e compreender que nenhuma palavra
detém o fluxo.

 
A poesia pura persegue o cristal da língua – sem dar conta que o desenho do cristal muda com a parte de tempo que lhe toca.

 
A parte do tempo que me toca vazou-me a manhã numas cólicas e numa diarreia que o Ferreira Gullar soube magnificar em verso. Eu não, sinto-me contagiado pelos sofríveis demónios de Ridley Scott. E tomado pela infelicidade deste intervalo (até a merda me sai abúlica, chilra) vou ver se acabo a leitura de O Duplo, de Dostoievski, alucinada antecipação kafkiana.

 
Abrir um livro ao acaso e deparar com esta exactidão, de Lope de Vega: «como no sabe de amor, piensa que todo es burlar».

 

 

 

        

 

 

Sem comentários:

Enviar um comentário