Escreveu-me o meu editor e amigo brasileiro, o escritor
Nicodemos Sena: «Percebe que a LETRASELVAGEM é como que um "patinho
feio" entre as chamadas "grandes" editoras brasileiras, que
dominam o "mercado". Na esteira dessa classificação, verei se consigo
que algum grande jornal faça uma entrevista contigo.
Fico feliz por que esse resultado veio sem apelar para nenhumos dos deploráveis expedientes empregados pelos que buscam sucesso fácil. Ficar entre os 20, num concurso com bases internacionais, sem nenhuma "ajuda" além da qualidade intrínseca da obra e da edição, já é um feito extraordinário.
Ah, até agora não tive resposta da nova distribuidora brasileira que o Tavares indicou-me para levar teus livros para Moçambique. Mas ainda é tempo de resolvermos isso.»
Fico feliz por que esse resultado veio sem apelar para nenhumos dos deploráveis expedientes empregados pelos que buscam sucesso fácil. Ficar entre os 20, num concurso com bases internacionais, sem nenhuma "ajuda" além da qualidade intrínseca da obra e da edição, já é um feito extraordinário.
Ah, até agora não tive resposta da nova distribuidora brasileira que o Tavares indicou-me para levar teus livros para Moçambique. Mas ainda é tempo de resolvermos isso.»
Gosto de fazer de outsider, que a Letraselvagem, uma pequena editora,
ainda que exímia no cuidado, elegância gráfica, e no trabalho obstinado na divulgação
das coisas que publica, compareça por minha causa nas listas dos nomeados a um
prémio literário com tanto foco mediático, no meio das poderosas Rocco,
Alfaguara, Companhia das Letras, Cosac Naify, Leya, Record, com várias
nomeações cada, e que os agentes da cultura ou os leitores se sintam intrigados
e queiram prestar mais atenção à editora, isso dá-me tanto ou mais prazer que a
minha nomeação.
Premiar o magnífico trabalho da Letraselvagem, do Nicodemos Sena e da sua equipa, até porque esta é
uma editora feita por escritores, por pessoas que amam os livros e se batem
pela dignidade do que escrevem e das suas condições de publicação, parece-me
prioritário.
A Maldição de Ondina,
foi o resultado de um ano e meio de trabalho, desde o primeiro esboço com 60
páginas, até à quarta versão com 220. Foi um livro arrancado ao chão das
dúvidas, pois era o meu primeiro romance, depois de anos a só escrever contos,
e as estruturas e modulações do romance são muito distintas. Já não me assusta o
romance, mas foi vital respeitar o desafio e as peculiaridades do género, ainda para mais num livro
cheio de tramas e que não se fixa num só plot, mas antes se vai entretecendo
num desenvolvimento coral, como um filme de Robert Altman. Optar por um tipo de
estrutura aberta e manter o interesse do leitor e a tensão era o desafio.
Mas ainda há dez minutos vestia a bata da Jade e lhe
espreitava a cabeça para ver se a crise de piolhagem que devastou a escola já
foi debelado, a meio daquele catanço, perguntei-me se o Rabelais não me
consideraria um piolho. E acho que sim, que na farta cabeleira do Rabelais
ainda não passarei de um piolho ruivo cheio de cagança que faz o karaoke do Pavarotti. E o importante é o próximo livro, esse que ainda não está resolvido; o
importante é discernir o que há a reflectir com esta minha nomeação.
Duas
coisas:
- Porque é que este livro não está editado em Portugal?
Espantoso que ninguém se tenha interrogado sobre isso. Eu
conto. Mandei o primeiro capítulo (que é uma abertura forte, uma espécie de
tufão na cabeça com um humor sacana, à Chandler) para o actual Ministro da
Cultura, e disse-lhe, «meu caro, como tens a mania que gostas de policiais, aí
te mando um cheirinho do meu, acho que ficava catita na Quetzal ou na Bertrand,
se te apetecer ler o resto apita…». Não apitou. Por estritos motivos pessoais,
não me grama, e nele o faro para as antipatias é maior que o nariz para o
negócio. Da Porto Editora responderam que gostavam muito mas que queriam uma versão «light», para o «gosto médio do leitor português».
Para a Teorema, que me editou outros livros, e que por contrato tinha direito a uma primeira leitura, mandei a primeira e canhestra versão do livro, para eles dizerem que não (nada responderam, como eu previa) e eu ficar com o livro liberto, pois depois de me terem pago direitos de autor por setenta, repito: setenta, livros vendidos de Tormentas de Mandrake e de Tintin no Congo (uma aldrabice que, eu que fui editor, declaro ser impossível, a não ser que a distribuidora tenha aceite como devoluções todos os livros vendidos a firme, o que é um tiro no pé), de 2008, um livro de 300 páginas que me levou dois anos de combate, percebi que aquele negócio só servia o senhor de bigode cor de barata velha que lá ocupava o trono.
Não enviei para a Caminho, Asa, D. Quixote, ou Assírio, porque tenho experiência de me terem sido devolvidos manuscritos por abrir, sem terem sido sequer lidos. Uma vez a Maria Alberta Menéres, que eu não conhecia, leu um infanto-juvenil meu, que lhe foi entregue por interposta amiga, e telefonou-me entusiasmada: «O sr. escreveu um clássico, vou levar já para a Asa». Eu respondi, «Agradeço-lhe a diligência, mas não creio que na Asa o aceitem…», «Porquê, interrogou-me ela, se o livro é tão bom…», «Pode ser bom, mas a reserva do senhor por mim é maior…». Não acreditou, e levou o livro mais o seu entusiasmo à Asa. Eu fiquei a pensar com os meus botões que depois de «escrever um clássico» só me restava dedicar-me à mecânica de avionetas, e aguardei. Sentado, felizmente. A cadeira apodreceu. Nem uma resposta, como eu previa.
E os editores em Portugal estão lá para fazer amigos e não negócios. Etc., etc.
Quando, a medo, enviei o manuscrito para o Brasil, recebi o contrato numa semana. O livro tinha sido lido como livro e sem o ecrã prévio da minha pessoa constituir um obstáculo para sua leitura. Compreendem? Só interessava a qualidade do livro. Ou a tinha ou não tinha. Parece que tinha, pois houve uma série de brasileiros que sem terem a ilusão de que me conhecem o leram e votaram nele para a nomeação.
É uma coisa triste ter que constatar que no meio literário conta mais os elos pessoais que a qualidade das coisas. Isto devia ser reflectido.
- Considero-me um nomeado vencido.
Ponto. Claro que é sempre confortável uma nomeação e gostei
que aqueles mesmos jornalistas que não leem nem escrevem sobre os meus livros (de
que à partida, sem os terem lido, não gostam), e vão quinze, chiça, tivessem
que digitar o meu nome na notícia (no Público, para além do que escreveu sobre
mim o EPC fui sempre ostracizado, e no Expresso, onde trabalhei 19 anos, também
passou a ser norma silenciarem-me) e sentir que um prurido lhes descia pelo
intestino delgado. Mas é mais triste perceber que no essencial estou na mesma: precisava de um retiro de três meses para acabar o meu próximo romance e tenho de andar numa lufa-lufa idiota para pagar a casa e as propinas das crianças e não me afogar o fim do mês. Porque disse sempre que não a coisas que me encheriam a pança mas comprometeriam o meu espaço de liberdade e escrita. E então eis-me no calafrio.
Num calafrio que me obriga moralmente a concorrer, ora para a hipótese de poder aliviar com mexilhão de primeira os meus, ora para que faça sentido. Contudo, à partida gostaria de não ter concorrido. A literatura não tem nada a ver com prémios. Ainda que haja bom circo, é circo. Terei a humildade de o aceitar. Preferia no entanto estar no Japão a escrever uma biografia do Hokusai. Enquanto o não puder fazer serei sempre um nomeado vencido.
Bom, entretanto, anunciemos que A Maldição de Ondina, vai ser publicado em Portugal em Setembro pela Abysmo.
Parabéns pelo post, que nomeações nada têm que ver com literatura.
ResponderEliminarBem, lido o postal com a atenção monográfica devida tenho tendência para concluir que o autor, tendo alguma competência como autor, dever ser um chato do caraças dado não quererem dele ser amigo
ResponderEliminare não haja dúvida de que terás razão...
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