Esta antologia é feita de três livros (o homem escreveu para aí 20): La vie en Close, Caprichos & Relaxos e de Distraídos Venceremos. Há uma biografia divertida, O Bandido que sabia Latim, que se encontra pela net. Ah, já me esquecia, morreu de porre. Boa aragem:
CURITIBAS
Conheço esta cidade
como
a palma da minha pica.
Sei onde o palácio
sei
onde a fonte fica,
Só não sei da saudade
a
fina flor que fabrica.
Ser, eu sei. Quem sabe,
esta
cidade me significa.
MINHAS 7 QUEDAS
minha primeira queda
não abriu o pára-quedasdaí passei feito uma
pedra pra minha segunda queda
da segunda à terceira queda
foi um pulo que é uma seda
nisso uma quinta queda
pega a quarta e arremeda
na sexta continuei caindoagora com licença
mais um abismo vem vindo
quem me dera um abutre
pra devorar meu coração!
naco de carne crua
comida de pé no balcão!
pra colher meu escalpo!
que desta vez não escape nenhum disfarce!
caia sobre meu navio!
que nenhum deus nem dragão possa ser meu alívio!
um dia
a gente ia ser homero
a obra nada menos que uma ilíadadava pra ser aí um rimbaud
um ungaretti um fernando pessoa qualquer
um lorca um éluard um ginsberg
que sempre fomos
por trás de tantas máscaras
que o tempo tratou como a flores
que não se entende
é digno de nota
a dignidade suprema
de um navio
perdendo a rota
(Noite. Joyce começa a escrever)
Madmanam eye!
Light gone out!
(Cai no papel)
Mustmakesomething!
Reverythming!
(Morde os lábios e gargalha)
A poorirish is a
writer mehrlichtsearching,
yesternighteternidades!
(Troveja. Relâmpagos iluminam o quarto. Joyce
prossegue)
Thomasmorrows?
Horriver!
Nice and sweet —
the speech of England,
damnyou! Dont?
Must destroy it,
just like a destroyer would do it
yourself! Como
um verme. Yes, I no.
Done to Ireland!
What have they done? It will do.
Beforeblacksblanco,
we are even, this very evening!
Think is so.
My vengeance
will be as big as say a country as big
as say Brazil.
Someday my
prince will come. Our prince:
Seabastião!
Arrise,
Lewisrockandcarroll!
Waterrestrela,
am I a dayer?
Just a
wakewriter.
AVISO AOS NÁUFRAGOS
Esta página, por exemplo,
não nasceu para ser lida.
Nasceu para ser pálida,
um mero plágio da Ilíada,
alguma coisa que cala,
folha que volta pro galho,
muito depois de caída.
Nasceu para ser praia,
quem sabe Andrômeda, Antártida,
Himalaia, sílaba sentida,
nasceu para ser última
a que não nasceu ainda.
Palavras trazidas de longe
pelas águas do Nilo,
um dia, esta página, papiro,
vai ter que ser traduzida,
para o símbolo, para o sânscrito,
para todos os dialetos da Índia,
vai ter que dizer bom-dia
ao que só se diz ao pé do ouvido,
vai ter que ser a brusca pedra
onde alguém deixou cair o vidro.
Mão é assim que é a vida?
ICEBERG
claro, é isso que desejo.
Uma prática pálida,
três versos de gelo.
Uma frase-superfície
onde vida-frase alguma
não seja mais possível.
Frase, não. Nenhuma,
Uma lira nula,
reduzida ao puro mínimo,
um piscar do espírito,
a única coisa única.
Mas falo. E, ao falar, provoco
nuvens de equívocos
(ou enxame de monólogos?).
Sim, inverno, estamos vivos.
fra angélico
quando pintava uma madona col bambino
se ajoelhava e rezava
como se fosse um menino
orava diante da obra
como se fosse pecado pintar aquela senhora
sem estar ajoelhado
orava como se a obra
fosse de deus não do homem
sossegue coração
ainda
não é agora
a confusão prossegue
sonhos
a fora
calma calma
logo
mais a gente goza
perto do osso
a
carne é mais gostosa
lá fora e no alto
o
céu fazia
todas as estrelas que podia
na cozinha
debaixo
da lâmpada
minha mãe escolhia
feijão
e arroz
andrômeda para cá
altair
para lá
sirius para cá
estrela
dalva para lá
TEXTOS TEXTOS
TEXTOS
malditas placas
fenícias
cobertas de
riscos rabiscos
como me
deixastes os olhos piscos
a mente torta de
malícias
ciscos
BLADE RUNNER WALTZ
Em mil novecentos e oitenta e sempre,
ah,
que tempos aqueles,
dançamos ao luar, ao som da valsa
A
Perfeição do Amor Através da Dor e da Renúncia,
nome, confesso, um pouco longo,
mas
os tempos, aquele tempo,
ah, não se faz mais tempo
como
antigamente.
Aquilo sim é que eram horas,
dias
enormes, semanas anos, minutos milênios,
e toda aquela fortuna em tempo
a
gente gastava em bobagens,
amar, sonhar, dançar ao som da valsa,
aquelas
falsas valsas de tão imenso nome lento
que a gente dançava em algum setembro
daqueles
mil novecentos e oitenta e sempre.
O QUE PASSOU,
PASSOU
Antigamente, se morria.
1907,
digamos, aquilo sim
é que era morrer.
Morria
gente todo dia,
e morria com muito prazer,
já
que todo mundo sabia
que o Juízo, afinal, viria,
e
todo mundo ia renascer.
Morria-se praticamente de tudo.
De
doença, de parto, de tosse.
E ainda se morria de amor,
como
se amar morte fosse.
Pra morrer, bastava um susto,
um
lenço no vento, um suspiro e pronto,
lá se ia nosso defunto
para
a terra dos pés juntos.
Dia de anos, casamento, batizado,
morrer
era um tipo de festa,
uma das coisas da vida,
como
ser ou não ser convidado.
O escândalo era de praxe.
Mas
os danos eram pequenos.
Descansou. Partiu. Deus o tenha.
Sempre
alguém tinha uma frase
que deixava aquilo mais ou menos,
Tinha
coisas que matavam na certa.
Pepino com leite, vento encanado,
praga de velha e amor mal curado.
Tinha coisas que tem que morrer,
tinha
coisas que tem que matar.
A honra, a terra e o sangue
mandou
muita gente praquele lugar.
Que mais podia um velho fazer,
nos
idos de 1916,
a não ser pegar
pneumonia,
deixar
tudo para os filhos
e virar fotografia?
Ninguém
vivia pra sempre.
Afinal, a vida é um upa.
Não
deu pra ir mais além.
Mas ninguém tem culpa.
Quem
mandou não ser devoto
de Santo Inácio de Acapulco,
Menino
Jesus de Praga?
O diabo anda solto.
Aqui
se faz, aqui se paga.
Almoçou e fez a barba,
tomou
banho e foi no vento.
Não tem o que reclamar.
Agora,
vamos ao testamento.
Hoje, a morte está difícil.
Tem
recursos, tem asilos, tem remédios.
Agora, a morte tem limites.
E,
em caso de necessidade,
a ciência da eternidade
Inventou
a criônica.
Hoje, sim, pessoal, a vida é crônica.
esse vôo
ao
vento que mais dói
eu dôo
saber é pouco
como
é que a água do mar
entra dentro do coco?
o dia é um escombro
o
vôo das pombas
sobre as próprias sombras
a noite — enorme
tudo
dorme
menos teu nome
o corvo nada em ouro
nem
o céu estraga o vôo
nem o vôo dana o céu
chove no orvalho
a
chave na porta
como uma flor no galho
a história de uma estrela
que não tinha namorado.
dessas que, quando apagam,
ninguém vai dizer, que pena!
Era
uma estrela sozinha,
ninguém
olhava pra ela,e toda a luz que ela tinha
cabia numa janela.
que até hoje a lua insiste:
- Amanheça, por favor!
A
palmeira estremece
palmas pra ela
que ela merece
palmas pra ela
que ela merece
entre
o azul
e
o amarelo
DESENCONTRÁRIOS
Falou em mar, em céu, em rosa,
em grego, em silêncio, em prosa.
Parecia
fora de si,
a sílaba
silenciosa.Mandei a frase sonhar,
e ela se foi num labirinto.
fazer poesias, eu sinto, apenas isso
Dar
ordens a um exército,
para
conquistar um império extinto.
nu
como um grego
ouço um músico negro
e me desagrego
ouço um músico negro
e me desagrego
só tiro
o que lhe deu o vento
Foi
em 1963, na “Semana Nacional de Poesia de Vanguarda”, em Belo Horizonte, que o
Paulo Leminski nos apareceu, 18 ou 19 anos, Rimbaud curitibano com físico de
judoca, escandindo versos homéricos, como se fosse um discípulo zen de Bashô, o
Senhor Bananeira, recém-egresso do Templo Neopitagórico do simbolista
filelênico Dario Veloso.
Noigandres,
com
faro poundiano, o acolheu na plataforma de lançamento de Invenção, lampiro-mais-que-vampiro
de Curitiba, faiscante de poesia e de vida. Aí começou tudo. Caipira cabotino
(como diz afetuosamente o Julinho Bressane) ou polilingüe paroquiano cósmico,
como eu preferiria sintetizar numa fórmula ideogrâmica de contrastes, esse
caboclo polaco-paranaense soube, muito precocemente, deglutir o pau-brasil oswaldiano
e educar-se na pedra filosofal da poesia concreta (até hoje no caminho da
poesia brasileira), pedra de fundação e de toque, magneto de poetas-poetas.Das primeiras invencionices ao Catatau, da poesia destabocada e lírica (mas sempre construída, sabida, de fabbro, de fazedor) ao verso verde-verdura da canção trovadoresco-popular, o Leminski vem chovendo no endomingado piquenique sobre a erva em que se converteu a neoacadêmica poesia brasileira de hoje, dividida entre institucionalizadas marginalidades plácidas e escoteiros orfeônicos, de medalhinha e braçadeira. E é bom que chova mesmo, com pedra e pau-a-pique. Evoé Leminski!
Haroldo de
Campos
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