quarta-feira, 11 de maio de 2011

TOU A PÊDI, DOIS DEDOS DE COBARDIA



 Escreve o Rollo May, “uma atitude comum nos nossos dias consiste em fugir à responsabilidade de estruturar a coragem necessária para um relacionamento autêntico, deslocando o centro da questão para o corpo (…) Na nossa sociedade, é mais fácil desnudar o corpo que as fantasias, desejos, aspirações e temores (…) E assim as pessoas isolam o edifício mais “perigoso” de um relacionamento indo directamente para a cama. Afinal de contas, um corpo é um objecto e pode ser tratado como tal.”
Passei metade da vida a espetar o corpo contra as esquinas mais rubicundas, porque pelos vistos me faltava a coragem para a amizade e para uma embriaguez que se depurasse pela sublimação. O credo era o corpo e longe de nós faltar à sua chamada, a qualquer preço. As coisas melhoram quando se adquire consciência de que também se paga um preço e que há uma reciprocidade na falência, mas é sempre um risco para o funâmbulo equilibrar-se sobre as ruínas emocionais. Dissipámos, sem fruto. Não me lamento, constato, era o ar do tempo: a delapidação. Há uma grandeza nisso quando, numa breve pausa, damos conta de que não saímos ilesos mas que como os gatos sabemos lamber as feridas sem queixumes ou sem projectarmos o azedume sobre os demais.
É quando nos descobrimos gatos escaldados que as coisas começam a virar. Espero. Eu estou apaixonado pela caixa do supermercado mas já não penso em, como o Dali, desnudá-la para lhe meter dois ovos estrelados nos ombros (- esta é para o caso da minha mulher me espreitar o blogue). O flirt tornou-me menos odiosa a ida ao supermercado e aumentou o meu sortido de cadernos vazios. Se fosse do género de me angustiar diante da folha em branco estava tetraplégico. 
Há uma mulher polícia, de poisio certo, junto ao meu Banco, que me desvia sempre o pensamento de Plotino. Vou eu com o Plotino a inchar-me os neurónios, passo pela silhueta dela e incham-me as hormonas. Ou é ao contrário, já não sei. Temos um jogo, todos os dias lhe ofereço um preservativo que nunca usaremos. É para lhe lembrar a Lei – afirmo, muito sério, de camisinha estendida. Você tem um belo cassetete! -, atiro-lhe na despedida.
Na universidade, há uma colega que cada vez que encesta em mim os olhos verdes eu lhe falo da trepanação do Apollinaire. Ela ri, não sei porquê, uma trepanação é uma coisa muito séria. E então, replico-lhe, Sabe Túlia, a beleza foi feita para consolar os que abdicam. Esta é uma máxima que adquiri para mim há quinze dias. Repito-a a cada momento, sempre que vacilo. Que Nosso Senhor me perdoe mas agora cada vez que vejo uma mulher penso em santa Justa, que não dava folga nem para o pai. Espero que esta frase seja suficientemente ambígua para se perceber que ando há uma semana na fila dos corajosos. Ainda não sei o que hei-de pedir quando chegar ao balcão.


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