O meu sogro era
oftalmologista e um intelectual de Lourenço Marques, com algumas histórias a
seu crédito. Veio a independência e ficaram, muito por pressão da esposa que se
converteu ao novo espírito. A história que lhe prefiro é esta: estando um dia a
meio de uma comezaina, na esplanada do Estoril, é interrompido por um popular
que o vem abraçar efusivamente, dr. Cordato, Que prazer conhecê-lo, o dr, tem
umas mãos santas… é o melhor curandeiro de que há memória nestas terras… O meu
sogro aguentou “o assalto” como pôde, a esposa é que franziu o sobrolho quando
ouviu dizer, Ainda hoje me espanta como o dr. tirou os olhos ao meu irmão, os
lavou num copo de água fria e depois os enfiou outra vez já curados… o dr. faz milagres…Retirou-se a grata
criatura e a dra. Helena, uma marxista-leninista de ocasião, não resistiu a
censurar o marido, Como é possível alimentares esta credulidade? Ouves estas
patranhas e não as desmanchas. Resposta rápida, num viés goês: …os mitos não se
devem desmanchar.
Leio:«…podem encontrar-se
os mitos em pristina pureza», e vejo como o desusado adjectivo, pristina,
acrescenta de facto pureza à pureza, um atributo que acorda na qualidade a
sua condição vibrátil. É este gozo da língua que se tem vindo a perder com o
furor da comunicação. Comunica-se mais com muito menos precisão, sem escutar o
pulso interno da língua.
O drama de Sísifo é que
teima em manter-se
de pé, ao lado do seu calhau, de pé
sobre a colina. Se
Sísifo se deitasse
distrair-se-ia com as estrelas e esqueceria
que é o cão de
cego daquela pedra.
E se por seu turno deitasse a pedra,
ao seu lado, em vez de
a manter de pé
como um ovo ensimesmado,
ouvir-lhe-ia então ao fundo o coração
e
compreenderia que convém comer
com as mãos e não as mãos - o engano
em que anda
desde o princípio do mundo.
A saliva dos mortos é o
som das palavras que tu julgarás ouvir pelo resto da tua vida – respigou intratável
uma avó que não duvidava de nada e muito mal me reservava. Às gotas de veneno não
se fica incólume.
Quando a ave o atravessa
fica o vazio pleno, vivo?
É uma pálpebra que se
fecha ou outra que se abre?
Empluma-se o espaço ou,
ainda que domesticamente, algo o perfura?
Longe de toda a
metafísica Luís XV limitou-se a dispararQuando o gorrião interceptou a sua mira.
Fazes uma tosta mista, pede a minha mulher da cama,
Sonolenta, mais a pender para os frutos que para as asas.
A minha amante imaginária, pelo contrário, é ciumenta
Dos sonhos do seu prisioneiro.
O pássaro-lágrima do Kerouac bate à minha janela.
Tem mãos de croupier.
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