sean scully
Mais um capítulo do livro Jantar com Espinosa e alguns amigos, de Israel Eliraz, com tradução minha:
III
Alguém
toca no quarto do lado
32
Lá ao
fundo
paira
a música (da qual
não
sabemos se ela é
uma
mosca do país
ou uma
mosca infinita).
A música,
para se manifestar
não
precisa senão
de si
mesmo.
E
ondula desabraçada sobre
o
continente da mesa
as
colinas dos pães, as plantações
de
aipo e alface,
o vale
do vinho e
o
vendaval do mel.
33
mas
a
música
que
vai e vem
«unicamente
com o fogo»
leva-nos
a um lugar (a-
colá!)
que conheceremos
no
momento de lá chegar.
Entretanto,
imaginemos uma algibeira
metida
para fora
uma
talhada de fruta
ébria
uma
língua afiada que não passa
de um
sistema de ventilação
sem
sonho,
etc.
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dobrada
em dois
a
música surde
ao
fundo do centro desconhecido
como a
matéria
inextinguível
no fulcro
da
lâmpada
e
atrai, intenso, um cheiro a açúcar queimado.
Nós
velamos a música
cada
vez mais
lentamente
ela
abre-nos um lugar
de
referências:
para
saber não tenho necessidade
de
saber que sei
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e
quero compreendê-la
quando
ela se agarra
às
coisas que a contém
como
se as vozes
fossem
as fibras
duma
matéria brutal
onde a
alma desabrocha
como o
vermelho
no
amor.
Como
se dissolve a arrogância
do
vermelho à beira
de
tornar-se a coisa verdadeira
(que é
eterna, constante,
inalterável)
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os
sons são objectos infinitos
que se
multiplicam e te seguram.
Quando
dizes: é preciso ver
as
coisas de perto
tu
afastas-te para o dizer
(até
onde?)
até
aparecer uma cidade como
uma
taça de tachas
de
cobre
e
Espinosa, que nos assegura:
pode
levar-se acudimento
à
tristeza
meramente
o vermelho ao fim
da
pura cadenza
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é uma
sede que se agrava
até ao
insuportável:
a
coisa verdadeira.
Do
outro lado da cozinha
urdem-se
coisas.
Uma
realidade sólida em
linhas
selvagens
símil
à urgência na substância
da
palavra.
A
música, mão flébil,
espalha
os flocos:
sejam
bem-vindos
ao
lar do fogo.
À
parte,
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alguém
toca na divisão vizinha àquela onde alguém toca
39
por um
instante ambos parecem executar em uníssono
40
a
mesma melodia. Na sua interpretação eu capto a que ponto
41
eles
conhecem a forma. Conheço todos os gestos
42
de
onde eles extraem esta beleza. Um toca um instrumento
43
que eu
identifico, e o outro um instrumento que me escapa
44
eis
que a música pára, a luz que alumiava a casa apagou-se há muito
45
eles
juntam as suas mãos sem estar sentados lado a lado
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quando
é que eu disse
à
musica
traz
recitativos sagrados e toca-
-me
com um gesto subtil?
Amar-te-ei
como teria podido
amar
Deus antes dele
ter
criado as coisas.
(Que
quer dizer aqui coisas?)
Só
será o que ela
pode
ser
(um
rectângulo vermelho assinala
uma
liturgia rural)
um
saco de imediato no ar
como
desfecho
47
o meio
do verão fica mesmo
no
intervalo de
dois
gestos
ou
antes de duas poses
numa
dança lenta
(Bougaku,
talvez).
A
ladainha duma canção local.
Litania
vaga, um
momento
raro.
Naquilo
que nós entendemos
passa-se
tão pouco
e
bloqueia-se na matéria
(guarda-jóias
de um enigma)
«a
necessidade de capturar»
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apenas
esperar perto
do
centro
chamamos-lhe
inquietude
ou tristeza
«até a
luz se apaga
na
boca».
Que é
o que nos escapa
e nos
vira as costas
na
música?
Instrumentos,
pesados, entorpecidos, onde
se
engendram outros instrumentos
simples,
necessários
ponho-os
ao lado.
Nada
está dito.
49
enredar-se
em torno duma pausa
como
diante dum feixe de água.
Encontrar
«o
tempo forçado duma
marcha
ritual».
Esperar
e escutar
o
tempo tornar-se
cozinha
(azul
escuro) onde todos os meus
amigos
ficam perto de mim,
sobretudo
os mortos.
Aqueles
que nós amamos (sem
desfalecimento)
amam-nos.
O
silêncio, uma espécie de saída
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