BOSCH
Rascunhos encontrados
nas últimas páginas de livros, canteiros
tresmalhados:
O reposteiro desenlaça-se e uma brisa
tépida, rápida, banha-nos os corpos
açoitados pela permissão:
o amor é a carne que ri.
tépida, rápida, banha-nos os corpos
açoitados pela permissão:
o amor é a carne que ri.
Um gajo que só tem por si a sua juventude, quando se vê em risco de perdê-la fará tudo para que ela pareça perdurar. Mas há que nos prevenirmos também contra a pretensão contrária: a de julgarmos que temos algo que dure mais que a nossa perdida juventude.
- Pai, e se os buracos que estão lá em cima no céu caem em cima de nós? - e aponta, receosa, o céu estrelado.
- Não caem, sabes porquê? Porque é o teu coração que segura o céu.
O que me agrada nos teus seios é a vidência
com que me atrai aos teus olhos,
o cerco que o plátano faz ao vento.
O que me finca no teu sexo
é o avesso do tempo.
com que me atrai aos teus olhos,
o cerco que o plátano faz ao vento.
O que me finca no teu sexo
é o avesso do tempo.
- Basta um babuinha ir assim
para dar engarrafamento…
Bela palavra: um babuinha.
Bela palavra: um babuinha.
O que um corpo é noutro
corpo esquece
pois só no sulco
do desejo tem memória.
corpo esquece
pois só no sulco
do desejo tem memória.
CERVEJARIA ÁGUIA REAL, AO ALTO
MAÉ
A empregada deposita
a garrafa na mesa e diz, “hei-de vir abrir…”, e volta à sala contígua, onde se
dispõe o balcão. Entra um tipo façanhudo, alto, de camisola de alças, o tronco
de quem serviria de arquitrave na catedral de Westminster, e vejo-o galgar em
dois passos decididos o espaço que a separa dela, ao balcão. E zás, esmurra-a
sobre a orelha, um banano que quase a deixa desmaiada. Levanta-se um sururu
durante 15 minutos, com dezenas de pessoas a apinharem-se naquela minúscula
ágora.Não há modo de chegar ao balcão para pedir o abre-latas e poder estrear a minha loura geladinha. Lembro-me duma ária de Offenbach em que o refrão é “gluglugluglu…” e quase choro.
O calmeirão de olhos esgrouviados que se senta na mesa ao lado da minha observa a minha aflição e num acto solidário, exclama, “brada…”, e no mesmo acto pega na minha garrafa e descamisa-a com os dentes. A carica rebola no chão, vencida.
Algo me diz que não beba.
Algo me diz que aquele sorriso cariado com herpes labial não admitirá a possibilidade de não me ver dar o primeiro gole. Um longo hausto, que me petrifica o esterno
Ao meu lado uma mulher experimenta sapatos de salto alto, todos os que o vendedor tem na mochila, e depois emparelha-os sobre a mesa, enquanto lá fora uma lufada de vento endemoninha toda a poeira acumulada nos buracos do piso. Pergunta, “quanto queres pelo lote?”. É na avidez dela que me concentro, ao segundo gole forçado.
“Estamos juntos, brada…”, sublinho, aceitando o brinde.
Eis uma coisa que o coração não sente: a lua afasta-se de nós alguns metros por século. Mas que definitivamente explica algumas coisas deste cínico início de século.
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