domingo, 30 de janeiro de 2011

KOK NAM: FOTÓGRAFO E ANDARILHO

A foto do lado, excelente, é de Santimano, e o excelentíssimo dinossauro retratado é o Kok Nam, uma dessas personagens de eleição que a vida me tem oferecido.
Kok Nam/ o homem por detrás da câmara é o título do livro que a Escola Portuguesa de Moçambique – Centro de Ensino e Língua Portuguesa (EPM-CELP) lhe dedicou, em NOV de 2010, para assinalar o seu 11.º aniversário. O grafismo (excelente) foi da responsabilidade de Luís Cardoso e a ideia do livro e a sua coordenação editorial coube a Teresa Noronha.
A obra homenageia o fotógrafo moçambicano, um veterano do fotojornalismo, que é fundador e actual director do semanário Savana. Paralelamente, foi inaugurada uma pequena mostra antológica dos seus trabalhos.
O livro compreende um texto introdutório da autoria de José Luís Cabaço, uma longa entrevista a Kok Nam feita por mim, e 40 fotografias.


Infelizmente o Kok está momentaneamente doente, nada que um homem habituado como ele a muitas carambolas não saiba superar. Mas isso torna mais urgente repisar que este pequeno livro introdutório serve sobretudo como lembrete: o essencial da sua obra está por compilar e publicar. Como o álbum que (com o seu olhar humano antropológico) ambiciona fazer sobre as Forças Armadas de Moçambique (as “Forças Amadas”, propus-lhe eu que se chamasse, com autorização dos poetas Hélder Moura Pereira e Fernando Gandra, que titularam assim um livro conjunto) ou outros que compilem as milhares de imagens em que, nele, a História tomou assento. Não esqueçamos que Kok foi um dos fotógrafos que atravessou todas as fases do pré e do pós independência de Moçambique e que entusiasticamente fez das contingências humanas documento. Testemunho que são milhares de fotos inéditas e que depois de divulgadas farão dele um fotógrafo com uma dimensão semelhante à de Ricardo Rangel.   



Deixo como testemunho humano, o texto que sobre ele publicou recentemente Zetho Cunha Gonçalves, poeta e escritor angolano, que vive em Lisboa, e que editou esta belíssima crónica no Savana 
«Kamarada Kok, esta prosa em forma de mukanda (que é como se diz carta e/ou segredo, em Angola) deveria ter sido escrita e enviada a semana passada. Acontece que estava a queimar todos os prazos para entregar uma prosa − e aflito com ela, porque longa e despudorada −, sobre os kamaradas Zefanias Sforza & Patrakas (dois sócios moçambicanos, que tu muito bem conheces), para uma publicação electrónica brasileira, de seu nome Mulemba. Eis a razão do atraso desta mukanda e consequente falta de comparência no glorioso “Savana”.
Quero começar por te dizer que as sextas-feiras do Cais do Sodré, em Lisboa-os-sustos, não têm sido a mesma coisa sem as tuas gargalhadas e o teu humor e estórias desconcertantes de “chinês bonito, porque muito alto”. Porém, Maputo requereu-te a presença por razão de força soberana, e eu subscrevo essa implementação da tua ida para uma grande festa, conforme me confirmaram ter sido, e de arromba, a kamarada Ivone e o kamarada Parcídio. Estou a falar, naturalmente, da apresentação do teu livro, ou desse “Kok Nam: O homem por detrás da câmara”, livro inventado a partir de ti, das tuas estórias e do teu trabalho de fotojornalista.
O que mais me tocou no teu livro é a questão dos afectos que lá está exposta a 360º em redor do eixo central que és tu, e à temperatura natural do corpo humano. E, dentro dos afectos, o humor, essa forma superior de inteligência para uso quotidiano, desde o texto de José Luís Cabaço, às respostas que dás ao António Cabrita (espécie de cicerone para a ínfima parte das tuas memórias/estórias, meu aventureiro do pestanejar de olhos abertos), à pequena mostra das tuas humaníssimas, esplendorosas imagens fotográficas, que são, deixa-me dizer-te, um pouco e muito da História do teu país.
Não sei por quê (talvez porque as chamadas “liberdades poéticas” tudo podem permitir, do acerto miraculado ao disparate mais insondável), sempre me pareceu que as nuvens se riem, e riem muito. De quê ou de quem se riem, sinceramente nunca pensei no caso. Mas, agora, quando o kamarada Cabrita te espicaça, perguntando num tom de quase afirmação antecipada: “Nunca o veremos expor uma série de fotografias sobre nuvens?”, tu desconcertas: “Nunca. Sabem o que é? Uma nuvem não ri.”. E aqui, tu que pensas por imagens antes de formulares um sentido para a gargalhada ou para a indignação que tão bem te caracterizam, tu, kamarada Kok Nam, é sobre a expressão de um rosto ou a volubilidade de um corpo que accionas o “clic” e a tua memória vivencial e testemunhal sobre a Terra e quem nela habita, com todas as circunstâncias, perenidades ou precaridades e contingências da própria condição humana.
Ri, ri mesmo muito (ao contrário das tuas nuvens, que vou começar a designar como “as nuvens sorumbáticas do kamarada Kok Nam”), com as tuas respostas ao kamarada Cabrita. E, apaixonado da fotografia e do humano nela incorporado que sou, também te quero dizer que alguma coisa mais aprendi contigo, através deste livro. Não só o “não adiar”, porque “a vida nos lixa”, mas também essa “luz própria” que o Outro tem e de que tu falas com tanta intensidade (porque, naturalmente, terás sempre que iluminar a luz que a cegueira branca do instante fotográfico impõe entre ti e o modelo), me fez acordar memórias e rostos e gentes e circunstâncias de vida há tanto arrumadas nas fundas prateleiras da memória, essa dama de caprichos e sobressaltos de alucinação e insónia.
Tocou-me fundo o modo como falas do malogrado Presidente Samora Machel, o retrato humano que dele traças a viva voz (porque os outros retratos e não-retratos, as fotografias que dele fizeste, essas e esses, mais que património teu, é património de Moçambique e da Humanidade). Mas ainda, esse rememorar pelas tuas palavras daquilo que é, sem qualquer sombra de dúvida, a riqueza mais perene de Moçambique: a sua mestiçagem humana e cultural, da qual Samora tinha plena consciência e “orgulho”, mesmo quando, ou sobretudo, como dizes, “Éramos todos pobres. Mas isso unia-nos. E o sentimento de que a figura cimeira do Estado era como nós e um homem de carácter moral unia-nos… Mesmo na escassez.”
As tuas fotografias, caríssimo kamarada Kok, são todas elas perpassadas por aquele sopro de vida e de luz, a mais justa, mesmo quando é da tragédia e da escassez de humanidade que elas se apossam de nós. E agora, depois deste pequeno “bodo” aos contemporâneos teus, entre os quais me permito incluir, quero fazer solenemente uma reivindicação ao kamarada: faça o favor de se desmangonhar (ser menos preguiçoso, como se diz em Angola), e vá implementando mais álbuns a partir dos seus “arquivos implacáveis”, porque nessas imagens fotográficas, se está muito da História e da memória de Moçambique, não deixa de lá estar também um pouco da História e da memória da própria Humanidade.
O Povo, impaciente, quer mais “Kok Nam: O homem por detrás da câmara” ao alcance do olhar e ao toque das mãos. Faça o favor de implementar a continuação desta saga libertária, kamarada Kok!»
           







1 comentário:

  1. Boa. Manda-me lá isso, camarada! E não te esqueças dos livritos que te pedi.
    Com é que vai a saúde? E a história do visto?
    Beijos & abraços
    Carlos

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