domingo, 30 de janeiro de 2011

GOSTAR E DESGOSTAR

Levo a manhã a reler Versiones Y Diversiones de Octavio Paz, o volume que reúne todas as suas traduções e ao deparar com a nota em que refere que as sessenta páginas de traduções que dedicou a William Carlos Willams foram induzidas por um amigo para uma edição mas que preferiria ter traduzido Wallace Stevens, lembro-me das reservas que o Herberto também me manifestou em relação ao poeta imagista e, num impulso, vou buscar o Paterson, abrindo-o ao acaso. Acabo por ler duma assentada o Livro IV, que na tradução portuguesa, perfaz quase 60 páginas. Insatisfeito, vou buscar a tradução francesa, de Yves di Manno e cotejo. Confirma-se. O prato forte é a trivialização mais irredenta, a polverização da interioridade em resíduos verbais duma superfície cega pelo encadeamento da transparência. Os fragmentos mais interessantes são-lhe alheios: deve-os a Pound, uma breve passagem sobre a usura - que Williams associa ao cancro - ou a Ginsberg, que, retratando-se como artista-enquanto-jovem-cão, lhe escreve, no seu indisciplinado vórtice.
O Livro V, que se lhe segue, por alto, parece-me bastante mais interessante e equilibrado, mas não apaga a impressão do anterior, duma tagarelice que nunca resgata o enfado que liberta, e pior, que se não reconhece como comunicação implodida, distância crítica que ao menos lhe podia inocular um pingo de auto-derrisão, num travo paródico. O Livro IV não descola do ronrom poético dum señorito convencido da extrema importância do seu mundo incubado pela cisão duma personalidade atomizada, etc., etc., empobrecida de valência ou aura. Pois.
Como a idade nos desilude os poetas que estimamos. Resta-nos amá-los na despedida:

«Também eu, meu caro williams, preferia
viver numa cidade bordejada
de fábricas de seda,
agora que me capacitei
de que cada pontada de ar
é a folha de um livro
não lida
que rompeu a sua reclusão.
Que dom maravilhoso o redemoinho
das cores que esfarrapa
a lua indolente,
como se à entrada da floresta
bifurcasse a estrada.
Assombrados, os olhos
acordariam então
para o armistício.»

POST BY António Cabrita
Na foto, de 1915, vemos William Carlos Williams com a mãe e os filhos

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