sábado, 22 de janeiro de 2011
TRANSPERTO I, RAFFAELI CARRIERI
Alguns dos poemas de Raffaele Carrieri que traduzi, com a colaboração de Anna Rizza, e que publicámos, em Maputo, na semana da Língua Italiana no Mundo, em Outubro de 2010:
TARDE EM ÁFRICA
Os caravaneiros pararam os camelos.
O ar estava prenhe de tambores.
Como um cesto prenhe de ovos.
Descendo da minha torre de trapos
Apertei muitas mãos
E recebi não poucas vénias.
Qual jogo interrompido recomecei?
Os milénios tornaram-se espelhos.
Enganos e sugestivos soslaios.
Desposei Sara com a vista.
Anelado pelos seus cabelos pretos
E o jasmim dos seios.
Sem desfazer os véus
Tomei o caminho do mar.
Sara mais nova que o táler
Conservado na lã
Ecoa ainda no ar
Da minha tarde em África.
INAUGURAÇÃO
Cinco milhões de andorinhas
Acabadas de chegar das Pirâmides
Como se diverte a luz
A saciar a fome das borboletas
Enquanto o ar se quebra
Na bainha das saias.
Os olhares, o pólen,
E o prazer, de tantas caudas.
PEIXE SONHADOR
Efémera esteira
De peixe encarnado
É a tua língua
Um peixe sonhador
Que foge e torna
Foge e torna.
INVEJO A LULA
Muito invejo a lula
Que se eclipsa no seu preto:
Branco é o seu recobro, a salvo
No variável azul.
TOCASTE QUE BASTE
Basta, já tocaste que baste.
Chamaste a noite
E sentaste a viúva.
Tão imensamente viúva
Que maçada com a tua música
Desligou as pálpebras.
APEGA-SE AO MEU VERSO
Apega-se ao meu verso
O passo ligeiro
E o cheiro a esturro
Do fugitivo
Apega-se o vento quente
Que na fornalha de areia
Criva de astros
O alho.
Nasce por raiva o cardo,
O espinhoso cardo,
E a cabra consola com a sua flor.
REPOUSO COM A MINHA MÃE
Eu e tu e eu e tu
Como dois velhos capitães
Enviuvados de água.
Ou duas velhas gaivotas
Açoitadas pelo vento
Que se refugiaram em terra.
Eu e tu e eu e tu
Princípio e fim
De uma única tempestade
Trocando nas confidências
As arestas e os limites:
O mínimo de cada coisa
Que habitua a morrer.
Eu e tu e tu e eu
Dois velhos capitães
Loquazes e gaiteiros,
Sentados nos quartos
Os rabos muito amarrotados
Pela apreciação dos muros, a paz.
Eu e tu e eu e tu
Sem mais tempestades
Miragens ou naufrágios.
Sentados no quarto
Dois fatigados capitães:
Protegidos pelas espinheiras
Espiamos a morte que não vem.
NÃO DIZER AO POETA
A Erza Pound no Manicómio Criminal de Washington
Não digam ao poeta que o pão
É mais branco que o sal.
Não chamem a guarda
Se o poeta arde.
E nada de adiantar sobre o que deva fazer
Se sobre o mar cai a tempestade.
Deixai que o poeta chore
O cristal ferido
Na obscuro braço da mina.
SETE MUROS
Tenho sete espíritos
Por cada noite
E esperança alguma.
Tenho sete portas
No coração
E sete muros.
Tenho sete vidas
Na minha vida
E uma só morte.
MURO EM CIMA DE MURO
Maldito seja este silêncio
Que levanta um muro
Em cima do muro:
O céu separa do corpo
O olhar do olho.
Entre uma e outra mão
Cava-se um vale.
Maldito este silêncio
Que levanta um muro
em cima do muro.
O VERME O FRUTO
Eu sou aquele
Que falha tudo:
O verme o fruto.
Falho o amor,
Inerte no instante
Da palpitação.
Falho a ascensão
E falho a queda.
Falho a ausência
E a presença.
Eu sou aquele
Que falha tudo:
Falho no largo
E no estreito.
Falho a evasão
Incapaz de um murmúrio.
Nem aguento morrer
Onde não esteja.
Eu sou aquele
Que falha sempre:
Falho no dar
E também no apego.
Falho a ferir
Falho a curar.
Falho a estar só
E em companhia.
Ai, vida minha,
Até falho a loucura!
ROSA DOS OUTEIROS
Jovem morre a rosa
Nos outeiros
E a velhice triste
Desvela-se nos espinhos.
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