domingo, 10 de junho de 2012

AUGÚRIO

                                       


                                           Herói, técnica mista sobre papel - Walter Zandamela
                                            um dos melhores artistas da nova geração em Mz

«Deitado na praia sem fim vi como as ondas alterosas arrojavam à praia um corpo igual ao meu, fossilizado. Em vão procurei levantar-me. Pseudomorfizado, o meu corpo era um tecido espesso de caracóis petrificados, de conchas antidiluvianas, de deliciosas miniaturas peroxidadas de animais desconhecidos. No interior dos delicados interstícios uma membrana transparente descobria feéricas paisagens submarinas onde signos do Zodíaco flutuavam luminosos. Pela estreita passagem que atravessa a rocha Teyeera, que cerra, cara ao poente, o horizonte, vinha uma horrível procissão de monstros: polvos com patas de camelo, gigantes com cabeças de cavalo, mãos hercúleas sustidas por finíssimas patas de avestruz, olhos de córneas fosforescentes entre imensas pestanas escamosas. Se o mar, transformado numa só onda negra, cobrisse toda a terra! Mas o mar, na sua transição vespertina, é uma vasta pedra de ónix onde as estrelas vêm reflectir as suas veias rubras e acesas e desenham deltas misteriosos, imensos, inabordáveis.»

Não é Lautréamont, nem Lovecraft. É J. V. Foix, um dos grandes poetas catalães do século XX. A preparar um texto para uma aula, socorro-me do velhinho Textos de Afirmação e de Combate do Movimento Surrealista Mundial, do Mário Cesariny, e descubro acidentalmente este texto, que sempre me havia passado ao lado. Mas o melhor é depois relembrar-me que tenho comigo três livros de Voix, que nunca li, uma antologia e duas obras consideradas capitais na sua bibliografia: Solo, I de Duelo e Las Irreales Omegas. Já me imagino a urrar de gozo nos domínios deste poeta para quem a metamorfose é o eixo vertebrado. Nem todas as semanas prometem  como esta, neste mundo que se degrada porque as pessoas tomam as palavras por surdos-mudos.

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