Hoje pela terceira vez seguida os alunos de Dramaturgia
baldaram-se à aula, às 7h30 da manhã, o que acontece desde que os obriguei a
ler Rabelais, avisando-os de que iríamos fazer um teste a partir “dessa
matéria” e uma adaptação de um capítulo de Pantagruel para stand up (- pode ser
coincidência e ser relacional, sendo o problema meu, mas então porque não
faltam os mesmos alunos às aulas de Análise Teatral?)
Versos que desviei dos trabalhos dos alunos:
“o sujeito é o homem
que inverte
o boato em carne”:
roubado de um teste;
“todos nós temos uma bibliografia emocional”:
roubado de outro teste;
Mas antológica talvez seja a resposta que me deu um aluno à pergunta sobre quais os mitos da comunicação (no sentido de enganos, engodos, falácias) que mais o tinham surpreendidos ser falsos (depois de passarmos três semanas a dissecar os 19 mitos da comunicação, segundo a Escola de Palo Alto):
«Professor, a mim o mito que mais me surpreendeu ser falso é o que diz que quando chove é porque os gatos estão para casar, ainda que na verdade nunca tenha sido convidado para o casamento de nenhum gato…»
Há algo que não está a carburar bem na relação das pessoas com o conhecimento e talvez a perda ou a fractura com uma «mathesis» (um campo completo do saber) mediadora de uma visão unitária do mundo, esteja, por um infundado receio irracional, a empurrar as pessoas para uma imbecilidade crescente pois poucos aprendem a orientar-se no fragmento, no meio de cambiantes, na dissonância, a achar os padrões sob a “aparência” do caos, e nesse desnorte é mais fácil perder a capacidade para ler o real e os seus signos e para ser, na sua vez, um operador da simbolização. E ei-los aos molhos, os anoréxicos do sentido.
O facto é, de ano para ano os alunos chegam-me mais mal preparados, com menos instrumentos. E a culpa não pode ser só dos professores.
Eu fui um péssimo aluno. Bom, apanhei o 25 de Abril e 74 em cheio, estava no quinto ano do liceu e as motivações multiplicaram-se em flecha para tudo o que era exterior à escola. Mesmo na universidade fui um calão, mas eu tinha um interesse, um foco – a literatura. Simplesmente, tudo o resto (estupidamente) não me interessava da mesma forma. Mas aí espraiava-me, entusiasmava-me, progredia.
Eles não têm qualquer foco. Batem-se apenas por um emprego, a qualquer preço, e pelas sextas-feiras à noite.
O mundo atomiza-se, e não me apetece mais assistir a este suicídio.
Belo furto, pelos primeiros versos.
ResponderEliminarO "mito" dos gatos tem alguma poesia bairrista.