A Companhia das Ilhas, projecto
capitaneado no Pico pelo Carlos Alberto Machado e pela Sara Santos, ameaçava,
e agora pôs o barco a andar.
É um
verdadeiro canivete-suíço, este projecto, com acções várias planificadas, das
áreas de formação, à divulgação da arte, literatura e aconteceres açorianos, bem
como no da edição – que se manifestou com fragor: seis livros publicados de uma
vez (e
prometem-se, dicionários, enciclopédias, brochuras, mapas, atlas e cartas
geográficas).
Quando
se visita o site da Companhia das Ilhas,
o que logo impressiona é o cuidado com que este projecto foi preparado, a sua
articulação. Contra a crise, não fazer à toa, mas estruturadamente, com um veio
romântico, mas sustentado. É favor, visitarem a coisa.
As hostilidades abriram-se com duas colecções: a Colecção azulcobalto / Obras inéditas de autores contemporâneos (poesia, ficção, teatro, ensaio), e a Colecção transeatlântico / Obras de ficção, poesia, teatro e ensaio de autores açorianos contemporâneos e livros de temáticas açorianas. Literaturas oriundas do espaço lusófono e da Macaronésia.
As hostilidades abriram-se com duas colecções: a Colecção azulcobalto / Obras inéditas de autores contemporâneos (poesia, ficção, teatro, ensaio), e a Colecção transeatlântico / Obras de ficção, poesia, teatro e ensaio de autores açorianos contemporâneos e livros de temáticas açorianas. Literaturas oriundas do espaço lusófono e da Macaronésia.
Bela Dona, e outros
monólogos, de Pedro Eiras, Passageiros
Clandestinos, de Fernando Machado Silva, Tratados, de Mário T Cabral, Às
vezes é um insecto que faz disparar o alarme, de Nuno Costa Santos, Estórias Acorianas, de Carlos Alberto
Machado, e Ficas a dever-me uma noite de
arromba, que eu assino, fazem o elenco da primeira fornada, que pode desde
já pedir por online à Companhia das
Ilhas.
Os
livros são muito cuidados graficamente, são de um especioso formato bonsai, e
não ultrapassam a faixa dos cinco euros.
O
conjunto é equilibrado e realço desde já os fulgurantes monólogos teatrais do
Pedro Eiras (que eu não conhecia e saúdo) e a extrema segurança com que
Fernando Machado Silva se desenvencilha ao seu segundo rebento. Mas de todos
darei notícia.
Só
para dar um exemplo agora, o Carlos Alberto Machado desenvolve uma série de
pequenas histórias deliciosas, de que aqui deixo uma:
COMUNIDADE DE ESCRITA
As antigas figuras de sabedoria têm sempre
qualquer coisa que nos atrai e que ao mesmo tempo nos inspira respeito. Da história
e da mitologia vêm carregos de exemplos. Na nossa freguesia, sentado na sua
cadeira de sempre do Café Central, o senhor Gustavo é a nossa figura de
sabedoria. Enfim, pouco importa a designação, mas sim a pessoa. O senhor
Gustavo está naquela cadeira desde sempre. Não conheço pessoa que se lembre de
ver aquela cadeira sem o senhor Gustavo. Ele inaugura e fecha o dia e só um
acidente, como a entrada de um forasteiro, pode perturbar a norma.
O lugar ocupado pelo senhor Gustavo no
Café Central está constantemente rodeado por pessoas de todas as idades e condições.
Sempre, mas sempre, com o mesmo intuito: o de o ouvir a in-ventar e reinventar
histórias sobre histórias sobre histórias, as que inventa a partir das suas
vivências (onde? quando?) e as que de todo o mundo acolhe na sua imensa memória.
Não as escreve, já se terá percebido. Cada um dos seus ouvintes anota as
histórias e as incontáveis versões, modificações e acréscimos que o senhor
Gustavo incansavelmente lhes introduz.
Dependemos todos destas histórias e dos
modos como elas são modificadas. Repetimo-las em todo o lado, entre amigos e familiares.
Circulam em simultâneo muitas dezenas ou mesmo centenas de novas formas ou
apenas pequenos acrescentos. Pesquisamos em casa e na biblioteca da freguesia
tudo o que pareça ter a ver com as origens das narrativas do senhor Gustavo e
assim enriquecemos cada história. Transformamo-nos em pesquisadores e
especialistas de mitologias, tradições orais de todo o mundo e de todos os
tempos. Os mais velhos de nós são constantemente desafiados a recordarem-se do que
os seus pais e avós lhes contaram, e, às ve-zes, até das memórias destes. A
nossa freguesia, graças ao senhor Gustavo, é uma complexa rede de histórias,
mitos, contos, lendas, lenga -lengas, máximas e provérbios, poemas de todo o
tipo e até de canções. Na biblioteca acumulam-se milhares de páginas deste
fabuloso universo que criamos a partir do Café Central.
Na Escola, as nossas crianças aprendem a
ler a partir do que todos escrevemos e é também com isso que partem para outras
aventuras do conhecimento e do prazer, juntos, como deve ser.
Como vêem, a minha aldeia poderia ser a
aldeia mais feliz do mundo – não se desse o caso de ter sido inventada no Café Central
pelo senhor Gustavo.
Sobre
o livro que aqui publico, nesta comunidade
de escrita, que há a dizer? São cinco contos, todos passados em Moçambique.
Quando
era miúdo fiquei muito impressionado com uma entrevista de Ray Bradbury em que
ele contava que iniciara a sua carreira escrevendo um conto por semana. Ao fim
de um ano são 52 contos. Dada a altíssima qualidade que em média se patenteia
nos livros de Bradbury, é espantoso. Secretamente, sempre alimentei esta
rivalidade com ele, onde, evidentemente levo cabazadas de 8 a 2. Isto para
explicar que estes são contos rápidos, na sua grande maioria escritos de jacto,
num dia, e com os riscos disso.
Adiro
assim nestes contos à arte do fresco,
onde, ao contrário da pintura, não se pode retocar. Claro que sempre que lhes
punha um olho lhes mudava um adjectivo ou substituía uma forma verbal por
outra, mas estruturalmente foram fixados à primeira.
O
resto é consigo meu caro leitor, meu hipócrita, meu irmão.
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