Todos os dias, ao
acordar, olhava para as unhas dos pés, todas recurvas e enodoadas, e
censurava-as uma a uma como se fossem os seus cinco filhos estroinas e contumazes,
antes de gritar para dentro, para a criadagem: Nilza, chá, torradas e a tesoura
de poda…
Aí está o exemplo duma
pergunta inútil
Nos lábios de um morto:E é preciso ser cego para não perceber
Que os cipestres migram
No implausível dorso das andorinhas
Para onde os vivos libam.
Mas vai uma aposta?
Escreveu
no teste, «a performance segue os trâmites da ‘obra aperta’». Escreveu três
vezes para que eu percebesse que não era gralha, que ele tinha de facto
descuidado a leitura de Eco e de Cohen. Agora o exame aperta-lhe as tripas e
veio bater-me à porta regatear um ponto numa pergunta onde o santo nome de
Shakespeare se transformava em Shakespee. Portei-me como uma verdadeira cascavél:
xsheee… pee!
Sem nos darmos conta, o tique de carinho canalha que permeia as amizades e o convívio em que muitos portugueses são vezeiros, nunca dando carinho sem uma pontinha de rudeza, ou sendo líricos mas envergonhados disso (como o O’Neill, por exemplo), é uma forma de distanciamento brechtiano automatizado, e tem como fito “manter-nos alerta quando uma parte de nós deseja entregar-se totalmente aos apelos do sentimentalismo” (Brooks). É a nossa forma de comentarmos: aqui vai disto, mas estamos a pau…
Despenhou-se sobre uma
zona residencial, o poema.
Tudo o que restava dum grande grito no silêncio
Arde agora como o fantasma
a quem o nevoeiro defenestrou.Tudo o que restava dum grande grito no silêncio
Está por apurar o número das vítimas mortais.
Só
nos países foleiros, em que nunca nada de estrutural se empreendeu, é que
aquilo que o «público» quer tem tanto peso na economia dos bens culturais. Mais
do que nivelar por baixo, é amputar por baixo.
Portugal foi sempre um país de galos capões, desde que os marinheiros e navegadores deixavam aos escravos as tarefas primordiais de espalhar a semente na terra, e no corpo e espírito das legítimas. Ainda vivemos dessas ondas de choque de levarmos séculos a foder a mulher por delegação e por isso não admira que abramos mão do «gosto» para nos confortarmos com os ditames do mercado. Claro que neste cenário a cultura será sempre excedentária, em vez de ser catalisadora de ganhos simbólicos e de lucros concretos; se o escroto que define as suas políticas não é o nosso…
Portugal foi sempre um país de galos capões, desde que os marinheiros e navegadores deixavam aos escravos as tarefas primordiais de espalhar a semente na terra, e no corpo e espírito das legítimas. Ainda vivemos dessas ondas de choque de levarmos séculos a foder a mulher por delegação e por isso não admira que abramos mão do «gosto» para nos confortarmos com os ditames do mercado. Claro que neste cenário a cultura será sempre excedentária, em vez de ser catalisadora de ganhos simbólicos e de lucros concretos; se o escroto que define as suas políticas não é o nosso…
Pois é, ninguém é superior a ninguém mas que há coisas mais importantes do que outras, lá isso há.
A anedota é atribuída a
Bashô. Confessava este um dia: expliquei o zen ao longo da minha vida e de repente
deixei de o compreender. Oh, perguntou o interlocutor, como pode então explicar
alguma coisa que não compreende? Bom, replicou desanimado Bashô, devo também
explicar-vos isso?
De facto não é possível ensinar nada a ninguém, apenas insinuar… o resto depende de como cada um arma ou investe no que não compreendeu.
De facto não é possível ensinar nada a ninguém, apenas insinuar… o resto depende de como cada um arma ou investe no que não compreendeu.
Tão laminada que não se dá à confidência - a libélula.
Por isso o haiku me parece curto,
Ainda que seja mais vivo que a esfinge.
Gostei de ler (como é costume)!
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