Fui esta semana à África do Sul, uma incursão rápida, não mais que um dia, e levei a maleta do laptop com 2 cadernos e 5 livros, e em chegando ao primeiro shopping de Nelspruit salivei por livrarias. Há três, naquele shopping, todas com um magnífico espaço físico. Mas nenhuma delas tinha um livrinho de poesia recente, para além de clássicos – shakespeare, byron, blake – da Pinguim. E ensaios, para além da auto-ajuda e de livros sobre religiões, rien de rien. Saí zangado, apesar de ter cinco fatias de nutrientes a tiracolo.
E então esta semana apanhei-me a sós, nu, diante de uma árvore. Dez minutos, vinte. Nada nos bolsos, nada nas mãos. Eu e a árvore. Meia hora depois estava exausto, entediado - seria de não haver vento que lhe desse as entrelinhas? Fui buscar uma cerveja preta a uma barraquinha a 50 metros, e pus-me a olhar a árvore e a pensar como o Camilo detestava as paisagens e só gostava de pessoas, da urbe, da comédia dos enganos.
E à rasca sem uma lapiseira, uma agenda, um livro que me terraplanasse a besta. Duas vespas rondam-me a mão que segura a garrafa, e parecem-me sílabas truncadas.
Não me sinto muito orgulhoso.
Não admira que um dos meus medos mais idiotas seja morrer depois de, adormecido na cama a ler um livro, ter engolido um lápis. Daqueles com borracha na ponta, que depois apaga o meu nome.
Quer dizer, apaga a doença.
Saio do café onde conversava com a Heidi,
despedimo-nos, e sou imediatamente abordado por um sexagenário sentado num
caixote que me mostra o trambolho da perna, chagada, gangrenada, sei lá, é um
rombo de que desvio os olhos rapidamente. E diz, os senhores do hospital querem
me cortar a perna, mas preciso de ir avisar a casa e não tenho dinheiro para o
chapa, se o patrão me pudesse ajudar, nem consigo andar… Fico indeciso com o
dinheiro a dar, tenho comigo umas moedas, que dão para o chapa, e duas notas
que dão exactamente para duas cervejas que tencionava deglutir com uma pacatez
meridiana. Dou-lhe os trocos e subo ao
bar. Abro o livro e peço a loirinha. Mas a visão da perna daquele homem, o seu
drama inquinou-me a cerveja, e sinto-me mal, um egoísta insensível, um burguês
de merda, culpado por não ter dado o dinheiro da cerveja ao pobre diabo. Acabo
de a beber e desço à esquina onde ele se encontrava. Já lá não está. Interrogo
o ardina. Se foi, diz. Se foi como, pergunto, se não andava. Esse, patrão, é de
enganar, é job… É job. Subo ao bar e peço outra cerveja. Africa encortiça os
corações.
Na mesma semana adio um segundo teste a turmas
universitárias porque, apesar de lhes ter passado com um mês de antecedência o
livro sobre o qual iriam incidir as questões, verifico na hora da verdade que
ou os alunos não leram de todo o livro ou não perceberam patavina, mas patavina
mesmo, do que leram. Na mesma semana, numa turma do terceiro ano e noutra do
terceiro, um idêntico desnorte e preguiça – que digo, a famosa resistência passiva africana em esplendor.
E confesso-me um mole incapaz de não me importar se eles têm dois ou três no
teste. Ou talvez seja ainda, o cabrão do paternalismo que impede esta gente de
crescer, não sei.
É com esta inapetência, impreparação, este medo a
reflectir que se quer construir um país autónomo? É possível, desde que seja o
primeiro país assumidamente anoréxico do mundo.
Adorei o sonho do lápis! Abraço e um cervejinha para te acompanhar. Mais logo , que aqui é madrugada.
ResponderEliminarPois, é o que às vezes penso, um lápis é uma bóia...porca miséria!
ResponderEliminar(às vezes também penso, a geografia é um mito!)
Essa perna tão doente... fiquei pensando... Todavia, não me atrevo a arriscar uma interpretação para metáfora tão dolorida. Sem dúvida, essa chaga põe uma ferida no texto, que não deixa indiferente o leitor. Gosto cada vez mais de passar por essas bandas e saber da África um pouco mais.
ResponderEliminarUm abraço,
Ana Ribeiro