o cesto das cerejas, soutine
Cinco poetas maiúsculos. As traduções, como sempre minúsculas, são minhas CULMINAÇÃO DA DOR
ouço inclusive como riem as montanhas, no abaixo e acima das ladeiras azuis. e em baixo na água choram os peixes e toda a água é as suas lágrimas.
oiço-a, corre como as garrafas na polpa da noite enquanto a tristeza se enovela e lateja no meu relógio e dispõe os ramalhetes na cómoda ou torna-se papel
sobre o chão calçadeira ticket da lavandaria ou fumo de cigarro escalando um templo de obscuras
trepadeiras... que importa pouco amor ou coisa pouca a vida a coisa passa, o que conta é observar as paredes eu nasci para isso -
nasci para roubar rosas das avenidas da morte. Charles Bukovski
NOTAS DE UM HOMEM ESPANTADO
Nascido debaixo de grandes nuvens e tu também, debaixo das nuvens, eis-nos
*
ela muitas vezes está aqui, tal como vos vejo O instante depois dela é mais além ouço-a cantar numa rua vizinha É a vastidão, Senhor, a vastidão
* Ao meio-dia no momento em que não morre mais de uma folha à sua sombra sobrepõe-se Eu de todo disperso nesta larga paisagem nascida da luz dos meus olhos.
*
Esta manhã o pleno de plantas bichos e homens saiu de uma só casa repartida pelos caminhos, nada respira acima deles além da luz
*
Aquele que atravessou o mar e aquele que se contenta com pouco e todos os outros, movemo-nos como os dedos duma mão.
*
Os móveis estalam O patamar berra Quem é que se evade daquela coisa?
*
A sombra cresce como os mortos Entre o dia e a noite hesito
*
Tremer como varas verdes? As portas uma após outra estão fechadas: ele vai chegar.
*
Mas não nem o sofrimento é certo Não passará de um instante De resto estaremos perto
*
Se bem que eu não acompanhe o ritmo o melhor é saber antes de expulsar-me. Mais que uma palavra uma só palavra e raspo-me.
Jean Tardieu
CALEIDOSCÓPIO
Sacode com toda a força, como um caleidoscópio, o teu próprio crânio. E a seguir espreita nos buracos dos teus olhos, vê o que se engendrou. Se nada aconteceu, aleluia… sacode-a firmemente três vezes, sete, nove vezes. Nada? É um sinal de alguma coisa e sacode, meu velho, sacode e volta a espreitar no cerne. Sacode de maneira a que a casa seja abalada que o caminho se recurve e as montanhas tombem de joelhos; que pestanejem céleres, convulsas, as estrelas e que o homem sopese na sua mão o coração. Mas se esbarrares com a fealdade agarra o teu crâneo como um pote rachado e atira-o! Ou nem isso. Enche-o de terra, de bom adubo, e planta lá dentro um gerânio vermelho.
Mihai Beniuc
Os olhos do meu espírito não têm a boca do meu espírito, As mãos do meu espírito não têm o corpo do meu espírito.
Esquartejado flutuo no abismo. Azamboado de morte como uma água inquinada.
Já não quer dizer que não foi nada? Todo um jogo de luzes e espelhos, Todo um retábulo de fumo tenebroso?
As veias do meu espírito não têm o sangue do meu espírito.
Juan-Eduardo Cirlot
O ÚLTIMO ENCONTRO
O último encontro foi tristonho. Eu esperava uma resolução impossível: que me seguisses a uma cidade ignota unicamente ligada ao afundamento de um submarino alemão e tu esperavas que eu não to propusesse. Com a vertigem dos suicidas disse-te: «Vem comigo», adivinhando-o improvável, e tu – sabendo-o impossível – respondeste: «É lugar a que nada me prende » e deste a conversa por arrumada. Pus-me de pé como quem fecha um livro ainda que soubesse – as cicatrizes reconhecem-se – que agora começava outro capítulo. Ia sonhar contigo – numa cidade ignota – onde apenas um velho submarino alemão se deu por perdido. Ia escrever-te cartas que não te enviaria. E tu, ias esperar o meu regresso - Penélope infiel – com ambiguidade, sabendo que os meus curtos regressos não seriam definitivos. Não sou Ulisses. Não conheci Ítaca. Tudo o que perdi perdi-o muito ciente e o que não ganhei foi por desleixo. O último encontro foi, sim, um pouco triste.
Cristina Peri Rossi
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