quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

COMO SAIR DO ALGUIDAR?

CARLO CARRÀ

Giorgio Agamben transcreve este belo e breve poema de Sandro Penna:
Vou a caminho do rio num cavalo
Que quando eu penso um pouco logo estaca
que associo àquela história zen da centopeia (a maria-café moçambicana) que paralisa no mesmo instante em que se põe a matutar na resposta a dar à criança que lhe perguntou, “eh pá, gente maluca, qual é a perna que mexes primeiro?”;
história que por sua vez me reporta a uma das frases-bordão de minha mãe que, dos meus 5 anos aos 20 e muitos, me repetia com uma regularidade exasperante, “não se pode, meu filho, fazer duas coisas ao mesmo Tempo”
– o que talvez signifique que, como defende a filosofia perene, haja uma sabedoria que nunca se suspende e se articula como uma espécie de ADN que só aguarda por uma oportunidade para aflorar…
Mas conto isto porque no mesmo texto do Agamben – Ideia da Cesura, do livro Ideia da Prosa, Cotovia – surge outro apontamento que me leva a um encaixe inesperado.
Refere o filósofo italiano: “(n)o Apocalipse 19.11, onde se descreve o logos como um cavaleiro fiel e feraz que monta um cavalo branco”. 
O que me atira para o expansivo e delirante reino das coincidências: a que existe entre o cavaleiro branco dos Evangelhos e a imagem com que a Ana Ulisses quis retratar o tio no comentário que fez ao texto que escrevi sobe a morte de João Ulisses, no postal que pus há uns dias.
Escreveu ela, julgo que para simbolizar como o verbo do tio lhe preencheu a infância e a fez acreditar em intangíveis nesta vida:
«Era um cavalo branco a galopar. Obrigado pelo gesto…»;
e toma-me o assombro porque tenho a certeza de que a artista plástica Ana Ulisses não anda com o Apocalipse na mochila.
Somos mesmo dominados por um acervo de imagens-matrizes e padrões  - como queriam o Jung e o Northrop Frye – que regem as nossas condições de possibilidade, isto é, de liberdade criativa?
Como sair do alguidar?

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