domingo, 11 de dezembro de 2011

ERROS DE SIMPATIA & DESAJUSTE



Há entorses de língua e de memória que insidiosamente se intrometem e desvirtuam as nossas relações com certas palavras e nomes. Nunca escrevo Bartleby bem, por muito que me levante da secretária e vá à estante pegar na novela de Melville para verificar a grafia correcta. Basta ver no post anterior. Chego ao computador e acrescento um «e». Levei anos e milhares de tentativas a escrever bem Schwarzenegger, ou Wittgenstein. Há termos e conceitos em que nunca penetrei ao ponto de se me tornarem naturais: para tonsura, por exemplo, não me serviram de nada repetidas consultas ao dicionário, só fixei quando comecei a ficar careca, no sítio onde os monges faziam a tonsura. Teve de passar pelo corpo. Enteléquia, é um conceito aristotélico que já consultei um milhar de vezes: não gruda à memória. Talvez por me sentir tão imperfeito e incompleto e o conceito significar a plenitude ou a perfeição de uma transformação, no oposto do processo de que resulta tal transformação ou transformação. O momento em que, taoisticamente, o fogo se transforma no seu contrário, em água: eis uma enteléquia. É como se por vezes, invariavelmente, chegasse ao dicionário com a atenção já estafada.
Depois há os erros de simpatia, aqueles que reproduzimos porque a nossa vontade completou ou cegou-nos ao que está escrito. Por exemplo, neste blogue cometi um erro no post mais lido (vá lá saber-se porquê) que o leitor ou nunca dá conta, ou nunca se manifesta – o que, para mim, em termos práticos dá no mesmo. No post intitulado «Einstein e os meus alunos» conto um episódio verdadeiro em que ofereci quarenta livros digitais ao aluno que me quisesse vir ajudar numa mudança de casa; tendo-se os alunos abstido da possibilidade de adquirirem num só dia 40 livros novos. Ora, no texto, começo por dizer que eram 40 e acabo mudando o número para 50. Não sei porque o alterei, a verdade está no primeiro número. Mas o que é facto é que nenhum dos 875 leitores que leu esse post até agora teve a delicadeza ou o humor para me fazer o reparo. Se calhar nem deram conta: erro de simpatia. 
Uma vez comecei a fazer uma T'abua das Palavras e Nomes que |Nunca Saberei Usar e  Empregar Correctamente. Cheguei ao esp'ecime n.56 mas entretanto roubaram-me o computador e perdi esse zool'ogico. H'a que não desfalecer e recomeçar.

1 comentário:

  1. Grande verdade. Os erros de simpatia ocorrem sempre que manifestamos um conforto no que antecipamos ser verdade ou correcto e sem necessidade de julgar ou reverificar. Sao erros que se contrariam aos apáticos, erros de apatia, pois quando nos antecipamos pela negativa tambem podemos cometer erros, esses no meu entender, seriam os de apatia. Gostei do post e é muito explicativo, obrigado.

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