Morreu o Joaquim Benite
nunca fomos unha com carne e tivemos até pequenas picardias, mas era um homem que eu respeitava.
As pessoas não calculam que pacóvia era a cidade de Almada, antes dele lá se ter instalado com o grupo de Campolide, e furado, furado, até à construção do Teatro Azul e a edificação de um dos maiores festivais de teatro europeu. Em trinta e tal anos mudou tudo. A ele se deve.
Nunca consegui trabalhar com ele. Tentámos uma revista cultural, que ele produziria e eu editaria, mas apesar das suas promessas, ele não conseguiu evadir-se da tentação de meter-se nas minhas decisões e rompi, antes que o caldo entornasse.
Depois, quis que eu editasse peças de teatro mas nunca chegámos a concretizar nada; ainda ficou entusiasmado com o espectáculo que escrevi com a Maria Velho da Costa sobre o Camilo Castelo Branco, Inferno, mas na tropelia do tempo também se gorou esse projecto. E eu pus-me a colaborar com o S. João e o Ricardo Pais e depois fiz duas peças em Almada com dissidentes dele, e fomo-nos “distanciando”.
Mas sempre colaborei com o Teatro quando me foi solicitado, escrevi textos, assisti a ensaios gerais e fiz reportagens sobre vários espectáculos do grupo, mantive-me disponível quando me era pedido, porque, apesar de alguma incompatibilidade de carácter nos separar, sempre admirei a capacidade dele para puxar a carroça, mesmo quando parecia impossível, e o que ele realizou em três décadas - a muitos títulos excelente.
Em Almada, a terceira cidade do teatro em Portugal (em muitos períodos a segunda, e claramente a primeira durante o Festival anual), como em todos os lugares de alguma efervescência política as coisas extremavam-se: ou se estava com o Benite ou contra ele. Gerações inteiras de actores e agentes culturais cresceram neste braço de ferro. Levou muito tempo até que apareceu uma terceira postura: nim. Era o meu caso, e de outra gente.
Mas o que importa realçar é que a estratégia do Benite obrigou ao diálogo, a posicionamentos, fez subir exponencialmente as intensidades do debate intelectual na cidade e habituou várias gerações a uma qualidade estética no trabalho teatral que mudou claramente a paisagem intelectual de toda a zona sul.
Temo que as coisas não sejam mais as mesmas.
À Teresa Gafeiro e ao Vitor Gonçalves o meu abraço.
Ψ
Ulisses talhou o
seu leito matrimonial.
Aí está uma informação que dá mais sentido à
fidelidade de Penélope. Nenhum dos pretendentes se propôs ao mesmo e, pelo
contrário, nem se importaria de dormir no leito montado e gravado pelo rei de
Ítaca. Erro fatal. Substituir a cama seria o primeiro passo para o substituir na cama. Antes disso estariam sempre sob influência gramatical – como explicaria Nietzsche.
Tinha um rabo de elefante
para vender.
Ψ
FALA DO BENITE
para o Vitor
A
veia impura: o mais certo
penhor.
Não esqueci os deuses, no plural,
nem as mulheres, no singular.
Dois
tumultos sem lisonjas,
que
não raro se entrechocam
na
via rápida. Graçasà extrema mobilidade com que
se
entremeiam. Ah, regada
a
Quinta da Bacalhoa! Tudo devemos ao que o mundo
nos empresta, devemos ao duplo
o
que ele em nós divaga;
devemos à música, que nos dissolve nas veias
o caricato do ódio. Devemos
ao
rio o fanatismo da foz.
Não
esqueças, à las cinco en punto! Que a farra
da solidão nos delapide!
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