quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

FALA DO BENITE

                                             JOSE HERNANDÉZ, DESPRENDIMENTO

Morreu o Joaquim Benite
     nunca fomos unha com carne e tivemos até pequenas picardias, mas era um homem que eu respeitava.
As pessoas não calculam que pacóvia era a cidade de Almada, antes dele lá se ter instalado com o grupo de Campolide, e furado, furado, até à construção do Teatro Azul e a edificação de um dos maiores festivais de teatro europeu. Em trinta e tal anos mudou tudo. A ele se deve.
Nunca consegui trabalhar com ele. Tentámos uma revista cultural, que ele produziria e eu editaria, mas apesar das suas promessas, ele não conseguiu evadir-se da tentação de meter-se nas minhas decisões e rompi, antes que o caldo entornasse.
Depois, quis que eu editasse peças de teatro mas nunca chegámos a concretizar nada; ainda ficou entusiasmado com o espectáculo que escrevi com a Maria Velho da Costa sobre o Camilo Castelo Branco, Inferno, mas na tropelia do tempo também se gorou esse projecto. E eu pus-me a colaborar com o S. João e o Ricardo Pais e depois fiz duas peças em Almada com dissidentes dele, e fomo-nos “distanciando”.
Mas sempre colaborei com o Teatro quando me foi solicitado, escrevi textos, assisti a ensaios gerais e fiz reportagens sobre vários espectáculos do grupo, mantive-me disponível quando me era pedido, porque, apesar de alguma incompatibilidade de carácter nos separar, sempre admirei a capacidade dele para puxar a carroça, mesmo quando parecia impossível, e o que ele realizou em três décadas - a muitos títulos excelente.
Em Almada, a terceira cidade do teatro em Portugal (em muitos períodos a segunda, e claramente a primeira durante o Festival anual), como em todos os lugares de alguma efervescência política as coisas extremavam-se: ou se estava com o Benite ou contra ele. Gerações inteiras de actores e agentes culturais cresceram neste braço de ferro. Levou muito tempo até que apareceu uma terceira postura: nim.  Era o meu caso, e de outra gente.
Mas o que importa realçar é que a estratégia do Benite obrigou ao diálogo, a posicionamentos, fez subir exponencialmente as intensidades do debate intelectual na cidade e habituou várias gerações a uma qualidade estética no trabalho teatral que mudou claramente a paisagem intelectual de toda a zona sul.
Temo que as coisas não sejam mais as mesmas.
À Teresa Gafeiro e ao Vitor Gonçalves o meu abraço.

 
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Ulisses talhou o seu leito matrimonial.
Aí está uma informação que dá mais sentido à fidelidade de Penélope. Nenhum dos pretendentes se propôs ao mesmo e, pelo contrário, nem se importaria de dormir no leito montado e gravado pelo rei de Ítaca. Erro fatal.
Substituir a cama seria o primeiro passo para o substituir na cama. Antes disso estariam sempre sob influência gramatical – como explicaria Nietzsche.       

 
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Tinha um rabo de elefante para vender.


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FALA DO BENITE
                                                   para o Vitor
A veia impura: o mais certo
penhor. Não esqueci

os deuses, no plural,

nem as mulheres, no singular.


Dois tumultos sem lisonjas,
que não raro se entrechocam
na via rápida. Graças

à extrema mobilidade com que


se entremeiam. Ah, regada
a Quinta da Bacalhoa! 

Tudo devemos ao que o mundo

nos empresta, devemos ao duplo

 
o que ele em nós divaga;
devemos  à música,

que nos dissolve nas veias

o caricato do ódio. Devemos

 
ao rio o fanatismo da foz.
Não esqueças, à las cinco

en punto! Que a farra

da solidão nos delapide!
                  

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