Salvador Espriu é um poeta catalão que sempre admirei, desde que, adolescente, li A Pele do Touro, e que releio periodicamente. Hoje voltei a fazê-lo e traduzi estes canteiros, fragmentos de vários poemas, que juntei, numa ordenação nova. A edição que me serviu de pano de fundo é a Antologia Lirica da Catedra, uma antologia bilingue editada por José Batlló.
1
Pelo
grito galgam árvores.
Cada
manhã contemplo
dois
pés de vencido dentro
de
sapatos que riem.
Voavam
falcões
sobre
a certeza da minha morte.
Contar-te
o medo
que
me dá a chuva nos cristais!
Navio serenado pelo mármore.
6
A lenta ferida do rio
e o incêndio do céu.
Derrama-se o sangue pouco a pouco pelos
socalcos da rocha
e assusto-me ao sentir-me sonhado, no
vento,pela impassível luz das altas montanhas.
Como me rodeia o bosque!
Esconde-me das árvoresdo meu medo.
9
Reminiscência do sândalo,
tão aveludado.
Oh, a saudosa neve
de umas mãos.
Que é a verdade?
A solidão do homem e o seu secreto espanto:
só, talvez, este homem,
o teu esconderijo.
O poder sentencia
um rei de mãos atadas.
Longinquamente, na noite externa,
ouvimos como cantam galos.
Alastra um rumor de matracas
as luzes murcham.
Que é a verdade?
Quem sabe se tu, talvez tuou também tu. Talvez ninguém.
Entretanto ventos e lobos baixam dos ermos
onde reina erguida sobre o gelo
a negra torre, medida, dedo
ilimitado do que é finito,
e a faixa se converte exacta num ponto
e dentro, sepulto, o tempo defunto.
Não há começo, descanso, nem quem
vença o nu espanto do caminho.
Arco escuro, alçado olho da noite:
na clausura do vazio, falho de sentido.
As palavras são
forcas onde aos poucospenduro a razão.
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