terça-feira, 28 de abril de 2015

SETE FACETAS DO TEMPO ENTRE OS CORSÁRIOS DA MACANETA




Do livro Não se emenda. a chuva, escrito para comemorar os meus cinquenta anos e lançado em 2011, numa edição reduzida e praticamente invisível, este ciclo de poemas que redigi na praia da Macaneta, meu habitual refúgio, a 40 km de Maputo


                                                                                                 para o José Capão e a Isa

1
É nítido: as ondas antes de rebentarem espreguiçam
as suas malhas de leopardo.
Segue-se um plaino onde em borbotões correm
os mantos de água para a praia.

Aí me sento, corsário aposentado, rebolando-me,
consoante a força das correntes, enquanto, sondando
sob a areia o filão das amêijoas, as mãos apagam
as linhas da vida.

Como se exaure macio, o tempo, neste ajuste 
de ombros e quadris à espuma,
esquecido de si mesmo. 
Os bivales são escassos 
(iniciada tarde a colheita),
comparados com o ventre líquido dos felinos.


2 (madrugada de 1 de Janeiro de 2010)

Já era assim quando fui cão.
E hoje cheira-me que volto a transigir em solo
desconhecido: amo, é tudo,
ainda que o decoro com que revisto a brutalidade
duma tal decisão
(muda-se o ano, muda-se a vontade),
possa anunciar excelsa a vigota do temor.

E se o tempo me volta a desenganar?
Alça a perna, urina contra a casuarina. O frescor
da manhã nas partes gagas é ciência certa.


3
«Ao fim de catorze anos de casamento, entregamo-
nos como duas crianças envergonhadas pelas suas
faltas e talvez por isso nos amemos…», leio
- como isto fala de nós, meu amor.

Descrever-te os pássaros na Macaneta?
Precisaria de ser o flautista de Hamelin,
que pelo sopro arrastou ratos,
crianças, chaminés e soldadinhos de chumbo.
Mas olha, tinhas razão, devia ser proibido adormecer
sem ter o mar por fundo.
Noutras condições parece-me sempre o amor modesto.


4
A ideia de que o tempo pudesse ser massa folhada:
uma ideia de garoto,
competia ainda o mil-folhas de domingo com o
reclamo do primeiro beijo,
sonho fatídico, onde me transmuto ainda.

Não se retalia. Pode-se até esquecê-lo, emprestar-
lhe a sinusite, deixá-lo a debulhar lágrimas
com a fotografia, à beira da catástrofe
onde um morto lacera, de olhos verdes.
Mas, incessante, sinuoso como o pulmão que
sincroniza um bando de flamingos, hás-de voltar a ele
como ao pobre nome que percutes
contra os dentes, ansiando por tertúlia.

Não se retalia, ao tempo não se retalia. Pois
quem vive de travões emprestados? Como eu,
nessa noite especial, ondulante,
em que forcei a insónia para ouvir pela rádio o
último round entre Ali e Frazier
– dois lençóis friáticos treinados para ficarem
num fiapo muito antes de lhes chegar traça –

eu, um miúdo ainda de todo alheio
aos knock-outs de Cortázar, à malsã
auto-piedade do Sísifo de Camus, às laranjas azuis
de Éluard, criança ainda de todo inepta
para deduzir que contra os relógios só o alho porro
e, sobretudo, não picar com a mesma faca amor e ciúme.

E disposto a confiar nele como na vitalidade do nariz que pinga,
e a incutir: você é quem sabe, você faz o preço!
E o tempo, sorna, de sorriso a tiracolo, a descarnar-
me as gengivas, a enrodilhar-me nas suas veias de lobo
(- a sua pata de papelão não perdia de vista
o meu mealheiro sobre o frigorífico),
enquanto Ali - grafitos indeléveis no céu
de Órion - ginga ao canto, furtando-se
ao amasso de Frazier, e resiste,
uma e outra vez, dando enlace e realce
ao delicado equilíbrio das estrelas ascendentes.


                                                       foto de paulo oliveira


5
Napoleão tinha um belo chapéu mas a sua maçã
de Adão não cabia no colarinho da paciência e no labéu
de Santa Helena esqueceu que ver é separar.

Foi o que o ensandeceu: tomar a baba do tempo
por aves de passagem.

Largo a revista de generalidades onde me inteirei
das adversas flutuações da história e vou ao quarto buscar
Os Sofistas, de W.C. Guthrie, para o debicar deitado
na rede enquanto num soslaio espreito o coreto
do mar, nas árvores.

Mas, ao lado do alpendre, nas minhas costas,
A Isa de sacho, desbasta raízes e pedras,
num canteiro de solo tumultuado, agreste,
(a construção é recente) e pergunto,
tens instrumento para que te ajude.
Eis-me de ancinho a puxar o manto de areia branca,
a brita, os inóspitos bezouros de cimento, até que
assome 15 centímetros abaixo
a terra vermelha - ver é separar.

Martelo com afinco o escopro para rebentar as
línguas de betão que o cansaço
e o desleixo dos operários
deixaram escorridas no bordo da casa,
e depois volto a puxar a areia prenhe
de pólipos rijos como cobras,
a fim de restituir à superfície a terra macia,
ávida de augúrios e sementes.

Hora e meia nessa tarefa, até os músculos
se estilhaçarem como pirex.
Tomo um merecido duche e enceto finalmente a
leitura, na rede, o mar alto a rebate nas árvores.
E descubro-me mais focado e atento ao recorte
das palavras, à irradiação ou à sua amolgada sombra.
Mais certo do que jurava Rilke: uma metáfora exige
quilómetros de caminhada, o faro
apura-se no esforço físico.

E ao ver a Isa - ver é separar – a desbastar as raízes,
uma hora depois de, derreado, me ter acostado,
sei que Protágoras mentia:
a existência dos deuses não
é suposição indemonstrável, pois afinal
quem mais lhe poderia acender nos braços luzeiros
de tal energia? Intuo: só o amanhar
da terra, penteá-la com ancinho,
esfiapa o tempo.


6
Mais meia-hora da carga valente que caiu e podia
apresentar às miúdas o general Custer.
A Luna dançou à chuva, a Jade
adormeceu no fulcro
da tempestade.
Eu, dado o adiantado da água temi que o dragão
sem freio do tempo nos mergulhasse,
a mim e à amada, nas comportas do amor para
nos cuspir depois nas suas margens
já sem o escalpe da memória.
O Capão, depois de examinar no tecto a qualidade
da construção – nem uma gota digna de um dedal –,
mais tranquilo, explica à Isa as manobras
do seu exercício de Sudoku.
Encho a fornilho do cachimbo com o tabaco
que me trouxe Sitting Bull, de tudo aliviado.



7
No meio dos raios e coriscos da hirsuta moita
que desbasta, lembra o Capitão Haddoc,
a indómita alegria com que cachimba e soluça num «hips».
Tomado pela mesma tenacidade expande o José Capão
a sua sombra nesta duna, onde desfaz nós e refrigera
uma vida de disputas; ora com a tesoura de poda,
ora traçando os caminhos da laje,
ou inquirindo se mantém ou elimina
a enorme teia de aranha que envolve em núpcias
e promessas metade da laranjeira, ora
fechando uma pálpebra por outra na rede,
enquanto o mar da Macaneta
craveja na carne das estrelas o esvoaçar das borboletas.
O que me faz suspeitar que o tempo
por vezes rende as intempéries.


1 comentário:

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