terça-feira, 12 de agosto de 2014

A MEMÓRIA É COMO VENEZA: A RARIDADE A RESGUARDAR


                               para a Doris, In memorian
                               e para a Leonardo, sua amiga

Traduzir a vida rente ao texto
como a lâmina rasando a pele
no escanhoado do tempo.
Alguém morre alguém nasce,
o mesmo sopé?
O peixe lava nos olhos o afogado?
É sempre Deus quem se vela
na vigília do morto.
Também eu vi as cascatas
de costas e sei que as nossas vidas
se usam para a fixação
do azoto nos solos.
Mas às vezes apetece dizer: merda,
estender a esteira e esquecer a morte
lembrando os que nela se afadigam.
Contrariar, em suma, como as vagens 
com uma cobertura felpuda.
Perder uma amiga e descobrir
que um novo comprimento de onda
abre um afluente no rio que nos navega.
Tudo se extenua menos o cansaço de si mesmo.
Que nenhum sino tanja a noite!




    

3 comentários:

  1. Como somos um sono.
    Belíssima honenagem.

    Beijo.

    ResponderEliminar
  2. Brilhante, António Cabrita. Há pessoas e memórias que não se apagam com nenhuma palavra. Nem com a ausência que não queremos. Abraço.

    Lília Tavares

    ResponderEliminar