sábado, 20 de setembro de 2014

VOLTAR AO TEATRO, SKETCHE DA PEÇA "PREGOS MUDOS, GRITOS FURADOS"




Primeiro sketche da peça Pregos Mudos, Gritos Furados, com que me apetece voltar ao teatro:

DOIS AMIGOS

Dois amigos dão passas num charro, sentados de costas um para o outro, e contam histórias de vida

AMIGO
Brada, onde nasceste?

AMIGO 2
Nascer? Nascer, como?

AMIGO
Que a xoxota da tua velha te pariu, já eu sei… mas onde?

AMIGO 2
Na minha terra chamamos-lhe chibiu

AMIGO (rindo)
Chibiu? Porque não take – away? (pausa)
Mas ainda não me respondeste à primeira pergunta…

AMIGO 2
Até onde… é que tu me deixas nascer?

AMIGO
Foda-se, sei lá! Do Japão não és…

AMIGO 2
Não sou um japonês chapado?

AMIGO
Era mais fácil seres um iogurte de chocolate!

AMIGO 2
Queres dizer que há mais parecenças entre um preto e um iogurte de chocolate que entre um preto e um japonês?

AMIGO
Ya…

AMIGO 2
É o que gosto nos homens, sempre me surpreendem!
Comigo foi simples, foi um descuidamento…

AMIGO
Descuidamento?

AMIGO 2
Um descuidamento no buraco…A minha mãe deixou-me cair…

AMIGO (divertido)
Ya, deixou-te cair…

AMIGO 2
Ao nascer… (escarnecendo consigo mesmo) Do buraco ou dum lapso… Quem vê olhos não vê corações…

AMIGO
Que merda é essa, um lapso? Lembra uma gravata entalada na gaveta…

AMIGO 2
Um lapso? A tua avó tem os dentes todos?

AMIGO 
Quê, quê, quê, quê… a minha antepassada tinha tino mas faltava-lhe um dente. À frente, estás a ver? Partiu-o a chuchar numa maçaroca…

AMIGO 2
Um lapso é o dente que lhe faltava…

AMIGO
Isso é um intervalo…

AMIGO 2
‘péra…Tás a ver quando queres dizer um nome e não te sai…tá debaixo da língua e não sai?
AMIGO
Ya…

AMIGO 2
Isso é um lapso…

AMIGO
Hum… Eu acho que essa cena é uma branca! Acho que não sabes o significado do que me queres dizer.

AMIGO 2
Uma branca é um lapso a quem deu um lapso…

AMIGO
A última que comi não…(o outro olha para ele, e ele também pontua olhando para o outro) a gaja disse-me o nome, Astrid. Era uma alemã…

AMIGO 2
Salsicha alemã, nunca tive…

AMIGO
És gay?

AMIGO 2
Corta essa merda… Tás cut!

AMIGO
É… esta merda não dá moca…

AMIGO 2
Mas sabes a melhor? Depois do descuidamento, houve o meu despeitamento…

AMIGO
Como é que é?

AMIGO 2
Despeitamento… não quis mamar!

AMIGO
Ah, és um menino do biberão!

AMIGO 2
…eh! Eu só faço o descontamento porque tu tás com a moca!

AMIGO
Qual moca, pá? Estou cut! ESTOU CUT!

AMIGO 2
Acalma-te, lá. man… (ficam um momento em silêncio, depois 2 diz, sonhador)
Eu, no outro dia, tive nas mãos um saquinho da branquinha, ai se tive, um saquinho de branquinha, com um quilo na minha mão… da branquinha.

AMIGO
Quê, mano?

AMIGO 2
Da branquinha… Coca da pura! Se fosse meu, comprava o MBS, com empregados e tudo!

AMIGO
Para que é que tu querias comprar um monte de pretos?

(o outro faz um gesto de que ele desconcerta)

AMIGO 2
Pá, era uma cena de desmandamento, tás a ver? Tirava as gajas e deixava só as pitas…

AMIGO
Tu, tu não te aguentas com uma canoa pelo rabo, quanto mais uma dama…

AMIGO 2
Uma canoa?

AMIGO
Ouvi no Marítimo… Como é que a branquinha te veio parar à mão? 

AMIGO 2
‘Tava com uma ganda ‘bzana!... Não lembro! Só sei que estive com ela na mão…

AMIGO
Na babalaza também me dá lapsos…

AMIGO 2
Pareces um tuga a falar…

AMIGO
Como é que tu dirias?

AMIGO 2
Na babalaza também me dá lápis…

AMIGO
Lápis? Que é que tem uma cena a ver com a outra?

AMIGO 2
O lápis tem aquela borrachinha, na outra ponta…

AMIGO
Crazy, man…

AMIGO
Moçambicanizar… Ya, ouve lá, tu às damas dás piça ou piaçá?

AMIGO 2
Como’é?

AMIGO
Piaçá é se lhe limpas o traseiro… (lamentando-se)
Esta passa não dá moca!

AMIGO 2
Estás cut?

AMIGO
Ya. Seco como um bebé … ‘péra, explica lá aquela tua cena: nasceste num buraco…

AMIGO 2
Numa gruta.

AMIGO
Numa gruta? Não és o gajo do 666?

AMIGO 2
What?

AMIGO
Numa gruta nasceu o Cristo. E a seguir vem o 666, o chifrudo…

AMIGO 2
O Diabas!

AMIGO
Diabas! Pá, é masculino! O Diabo!

AMIGO 2
A minha mãe confusionava com a minha dama, dizia, essa reles que arranjaste é um diabo… diabo para gaja, julgava que para nós fosse diabas…

AMIGO
Ya, faz sentido! Mas é gajo… Já viste as cataratas do Niagara?

AMIGO 2
Ya, num calendário. É big…

AMIGO
200 m de altura e 3 km de lado, a água da catarata cai cá em baixo com uma moca que saltam da água bolhas onde cabia um elefante...

AMIGO 2
Ya, um elefante é um cuspe de Deus…

AMIGO
Como é?

AMIGO 2
E a avestruz é uma girafa que desaprendeu de usar os talheres.

AMIGO (suspirando)
Ah, e que pena nunca desmontar… o caracol!

AMIGO 2
Os abismos, como a centopeia, têm mil patas…

AMIGO (respondendo ao desafio)
Porque foge o rato a ser mealheiro?

AMIGO 2
É do queijo que come – esquece-se…(fica meio absorto, depois lamenta-se) ‘das tens razão, tens razão, esta erva não dá nada…

AMIGO
Trava… É quase a cena que deu na minha mãe quando se lhe rebentaram as águas...


AMIGO 2
Quê, quê, quê… foi difícil parires-te?

AMIGO (desconcertado)
Bué...

AMIGO 2
Gramo dessas novas palavras… gramo bué… Há quem diga que é um vocabulário pobre, não concordo…

AMIGO
Why, tell me!

AMIGO 2
Com que é que rima bué? Com chalet!

AMIGO
Chalet?

AMIGO 2
Uma vivenda da Sommerchield… Dantes chamavam chalet…

AMIGO
Não é? (retomando) Comigo não houve travões, vim tão acelerado, que a minha mãe não deu por nada… O meu pai costumava dizer, o meu puto a nascer não deu mais job que o peido de um formigo.

AMIGO 2
Hum, o peido de um formigo… É gaja pá, formigo é formiga…

AMIGO
O meu pai dizia formigo…

AMIGO 2
À minha mãe deu-lhe tanta enxaqueca...

AMIGO
Na cena do teu parto?

AMIGO 2
Ya. Tanta enxaqueca que a gaja conseguia ver o futuro e detectava as minas no escuro, uma a uma. Foi assim que enriquecemos. A desminar…

AMIGO
A minha mãe não. Quando eu nasci fizeram-me um xibuto, tás a ver?… Eu era small, tão piquenino que a minha mãe se distraía, e quando se assoava metia-me no bolso com o lenço. Aos seis anos tinha o tamanho de uma manga do Chicumbane...

AMIGO 2
Chi! Que descontamento! O que é que te salvou, meu?

AMIGO
Brada, o meu pai, aos dez anos, levou-me ao futebol, no Maxaquene.
Houve um penalty e o gajo que o ia marcar tinha uma unha a sair da sapatilha rota. Uma unha negra e rija. E deu e biqueirão tão torto que o esférico me acertou na mona e fiquei em coma. Quando acordei o meu pescoço tinha crescido dez centímetros.

AMIGO 2
Ya, ‘tou a ver. Eu aos dez anos era tão alto e espadaúdo e era tão ruivo que o meu pai me costumava chamar o isqueiro de Deus.

AMIGO
Estou a ver… o isqueiro de Deus.

AMIGO 2
Tas a ver? Era ruivo, meu… saía-me uma chama pelo toutiço.

AMIGO (Mete-se em pé, de costas para o público e urina junto às costas do outro)
Ya, o que te vale, é que sou bombeiro…

O outro alvoroça-se.

AMIGO 2
Eh! Que emerdamento é esse!

AMIGO
Quê, quê, quê, quê, ‘tou só a abaná-la… (acaba o serviço, fecha o zip, vira-se, muda de assunto, ri, para desconcerto do outro) A cena que me veio à tola… Nem dá para acreditar, meu… Em chavalito apanhei um padre a dar hóstias a um burro. Fui às traseiras da igreja, para apanhar um coco, havia lá um coqueiro big, e apanhei o man naquela cena... era às mãos cheias...

AMIGO 2
Chi... E ele viu-te?

AMIGO
O man ‘tava muita buzana. Apontou-me o dedo e disse-me, as “pipocas de Deus”... é um bem para todos...

AMIGO 2
Ya, é uma trip. Mas o que eu vi hoje no autocarro é brutal…

AMIGO
Tell me…

AMIGO 2
O homem estava encostado à janela, ao meu lado, no banco dos palermas, lá ao fundo, tás a ver…Cá num afundamento, tás a ver?

AMIGO
Ya…

AMIGO 2
Pôs-se a escrever uma mensagem no telemóvel… com um speed… mas com um speed… só que o man não tinha dedos…

AMIGO
Como é que ele fazia? Com a língua?

AMIGO 2
Com os cotos dos dedos… Crazy, o gajo tinha os dedos arrancados até à palma… o telelé estava no pulso e com aqueles cotos, aquilo nem chegavam a ter meio centímetro, mas com um speed… O man acabou a mensagem e colocou o cel no bolso das calças, com as duas mãos a fazerem de alicate. Fiquei muita maluco…

AMIGO
Pensa no gajo a lamber um selo...

AMIGO 2
Que cena… Baba o coto direito, pisa o selo pela face, e faz um movimento de mata-borrão, o selo agarra-se; depois lambe-o na cola e pisa-o contra o envelope. A cola fixa o selo. Que cena…Brada, mas e se ele for canhoto?

AMIGO
Sem dedos não há canhotos. Os dois cotos têm de se unir para tudo, pra pegar no espeto da cozinha, (mima) para apalpar as mamas da mulher dançam juntos…

AMIGO 2
O tango.

AMIGO
É isso… têm de ser um para pegar num chicote. Já viste a cena, um maneta como domador de leões… Um maneta? (reforça) Brada, um ambimaneta como domador de leões… Era a fortuna. Em vez de meter a cabeça dentro do leão, man… o gajo começa a sua actuação no escuro, acende-se a luz sobre o tronco dele e a cabeça do leão e ele tá com as duas mãos presas na boca do leão, e o gajo nem reage, estás a ver, o público muita marado e o gajo cool, easy, a cantarolar (canta) ó naniná, ó nániná…o gajo muita tranquilo. Debate-se como um mímico para tirar as duas mãos lá de dentro e quando as tira vem sem elas, o leão comeu-as, mas traz o chicote preso nos cotos. O chicote que ele saca da boca do leão...

AMIGO 2
Uau! Que cena, o circo vinha abaixo…

AMIGO (entusiasmado)
Um ambimaneta a pilotar uma avioneta…

AMIGO 2
Quê, quê, quê, quê… Só não tou a ver como é que o gajo pode comer torradas… man. ‘péra lá, olha a cena, o man equilibra torrada no pulso, como o cel, mas… mas… (volta a dúvida) se lhe mete os dentes como tira depois a torrada da boca sem sujar o outro coto de manteiga? E a fruta? A fruta tem de lhe ser dada descascada…

AMIGO (mimando)
Amendoins… o bacano mete um garfo com o cabo de fora da mesa e o amendoim naquela barriguinha  dos dentes do garfo, e dá uma pancada no cabo… e o amendoim lhe pula e dá três mortais com pirueta antes de lhe entrar na boca…

AMIGO 2
Ya, é pena esta erva não dar moca…

AMIGO
Brada, sabes do que é? Tu tens um ganda desmiolamento….



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xoxota e chibiu - a vagina
MBS - o maior centro comercial de Maputo
babalaza - ressaca
Sommerchield - o bairro rico de Maputo
xibuto - feitiço, bruxedo

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