Dois
poemas gregos, de Pandelis Prevelakis (1909-1986), perseguiram-me toda a manhã
até que os verti para português, cotejando as traduções francesa e espanhola:
O
CREPÚSCULO
Penetrou o
crepúsculo na quintacomo um rubro leão.
O seu fulgor espalmou os espelhos,
e eu senti a tíbia planta de sua pata
sobre os meus pés nus.
Inclinei-me e, na minha mesa
abençoada pelo labor do dia,
vi que o sol me lambia os pés
com a sua linha de fogo.
A AMEAÇA
Pôs-se um
falcão a planar sobre nós.As garupas dos cavalos brilham,
a jovem mulher alçou o seu filho
e gritou: Eternidade!
Insiste, o falcão paira sobre nós.
Grito, chegou a minha vez: Eternidade, eternidade!
O que os horizontes me espantam!
Terminei hoje um artigo que me foi encomendado pelo Teatro de S. João sobre o romance Casas Pardas, de Maria Velho da Costa, e a sua adaptação para teatro por Luísa Costa Gomes. Não tenho a certeza de ter desempenhado a coisa como ambas as autoras mereciam, mas, relendo Casas Pardas fiquei com a certeza que este é um romance que só se lê na vertical e não para espairecer, ou seja, que quem não for capaz de resgatar em si a atenção que está ao fundo do canto escuro, desiste. É um romance extraordinário e muito exigente e que me deu a certeza de que a maior parte dos romances que hoje são escritos não passam do que dantes se chamavam as novelizações – pobres derivados do cinema.
De cada vez que encontrava alguém e dizia, epá,
vinha a pensar em ti, a pessoa evolava-se à sua frente.
Hoje reabri o livro sobre Casanova e voltei a verificar que nunca lhe falta o desassombro, a capacidade para pensar sempre de forma politicamente incorrecta, como neste delicioso excerto: «Conhece-se o disco: se Casanova se interessa de tal forma pelas mulheres, é porque ele era, sem se confessar homossexual. De resto, essas histórias de mulheres são duvidosas. Era preciso ter a versão delas. De todas as maneiras, que procura um homem nas suas múltiplas aventuras femininas senão a imagem única da sua mãe? Don Juan, não era, no fundo, homossexual e impotente?
Fala-se
muito, nomeadamente, de homofobia, mas jamais de heterofobia: é
estranho.»
Aí está uma coisa em que também eu acredito
piamente: Pasternak estava convencido de que só o esquecimento da sua persona ou imagem social podia abrir na
sua alma o silêncio necessário para que se resgate nela a verdadeira energia da
palavra.
Ouço na televisão, Temer a Deus é um sinal de sabedoria, e compreendo pela primeira
vez que este temor foi a forma hiperbólica como os hebreus traduziram a
necessidade de cada homem enveredar pela phrónesis
grega - a moderação ou o sentimento da proporcionalidade que dimana da prudência.
É apenas uma advertência contra a hybris,
a desmesura, advertência aliás comum a toda a bacia mediterrânica.
Sem comentários:
Enviar um comentário