quinta-feira, 18 de outubro de 2012

SYLVIA KRISTEL: DOIS DIZERES

                                        roubado ao ma-schamba, que a roubou ao Helmut

                                                                         para o José Flávio Pimentel, que nunca a viu
 
 
A Sylvia Kristel devia ter sido a Miss Pêssego da Europa e ter o seu túmulo em Tomar, junto dos templários. É a minha petição.
Em tempos escrevi, por causa da morte de um amigo:

«A morte, uma fraude mais infalível que o Papa,
despenhou-o nas suas capelas imperfeitas.
E mentiu-lhe: essas abóbadas não são
as da Sylvia Kristel da nossa adolescência,
 
nem é sedosa a unha que lhe greta a pele»
etc., etc. - mas o essencial estava aqui, porque eu e ele vimos juntos três vezes o Emmanuelle.
 
Mas o melhor é dar o passo a quem a conheceu biblicamente e com ela teve um filho, Hugo Claus.
Não sei se ele escreveu este poema exactamente para ela (não foi, o poema pertence a um ciclo que se chama “Em Jeito de Despedida”) mas o ano de edição anda muito perto do período em que ele a conheceu e tentou a sua sorte, apesar de os separarem vinte e cinco anos, e além disso assenta-lhe, porque mais difícil do que apanhá-la seria mantê-la. Aliás, Sylvia abandonou Hugo uns anos depois, trocando-o por um actor da sua idade. Mas vamos ao poema :

 
EM JEITO DE DESPEDIDA

 
7

Dizem “está cego pela gaja!”.
Pode bem ser.
 
Ainda que muitas vezes o ar fique turvo
se quero agarrar o que murmuras

e amiúde resfrie o ânimo na tua boca
enquanto te beijo.

Tu dizias: “Deixa-me ser a tua puta!”
E eu: “Que sou eu, então?”
E tu: “Tens três chances…”

Eu adivinhava: um segundo de palha,
um desejo, uma possibilidade.

E sabia: um faroleiro famélico,
um sótão a abarrotar de trapos,
não, uma orgia na casa de penhores.

E para os outros (não eram assim tantos),
uma carocha
a debicar freneticamente nos seus anos loucos,
umas descabidas cócegas – peu-être um novo fôlego.
 

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