para o José Flávio Pimentel, que nunca a viu
Em tempos escrevi, por causa da morte de um amigo:
«A
morte, uma fraude mais infalível que o Papa,
despenhou-o
nas suas capelas imperfeitas. E mentiu-lhe: essas abóbadas não são
as da Sylvia Kristel da nossa adolescência,
nem é sedosa a unha que lhe greta a pele»
etc., etc. - mas o essencial estava aqui, porque eu e ele vimos juntos três vezes o Emmanuelle.
Não sei se ele escreveu este poema exactamente para ela (não foi, o poema pertence a um ciclo que se chama “Em Jeito de Despedida”) mas o ano de edição anda muito perto do período em que ele a conheceu e tentou a sua sorte, apesar de os separarem vinte e cinco anos, e além disso assenta-lhe, porque mais difícil do que apanhá-la seria mantê-la. Aliás, Sylvia abandonou Hugo uns anos depois, trocando-o por um actor da sua idade. Mas vamos ao poema :
Dizem “está cego pela gaja!”.
Pode bem ser.
Ainda que muitas vezes o ar fique turvo
se quero agarrar o que murmuras
e amiúde
resfrie o ânimo na tua boca
enquanto
te beijo.
Tu
dizias: “Deixa-me ser a tua puta!”
E eu: “Que
sou eu, então?”E tu: “Tens três chances…”
Eu
adivinhava: um segundo de palha,
um
desejo, uma possibilidade.
E sabia:
um faroleiro famélico,
um sótão
a abarrotar de trapos,não, uma orgia na casa de penhores.
E para
os outros (não eram assim tantos),
uma carocha
a debicar
freneticamente nos seus anos loucos,
umas descabidas cócegas – peu-être um novo fôlego.
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