sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

DEZ POEMAS DE PENTTI HOLAPPA


Este poeta finlandês (nascido em 1927) sempre me fascinou, desde que comprei uma antologia sua da Gallimard (Les mots longs/ poèmes 1950-1994). Mais tarde os poemas que dele se reuniam numa antologia em inglês (Contemporany Finnish Poetry, organizada por Herbert Lomas e editada pela Bloodaxe Books), confirmaram o meu interesse. Aqui avanço com umas versões de alguns dos seus poemas:


OS JAPONESES

Os japoneses simulam colisões de galáxias
com o tempo sem dúvida que daí se extrairá qualquer coisa a vender.
Um idoso está plantado sob o semáforo, não ousa
atravessar a rua malgrado o sinal verde. Ó Céu
dá-me a força de ver e, tendo-o visto,
de suportar as coisas do real, se é que existem.

Tempos houve em que amei, e amo ainda.
Não sei renunciar. O sinal passou a vermelho.





IMAGEM

O griséu das paredes e as janelas.
Não acontece nada em cena;
há uma mulher debaixo de uma lâmpada, solitária,
uma sombra descarnada tropeça contra a parede.

Ninguém atravessa o palco
quer para a esquerda ou pra direita, ninguém.
A silhueta do poema sobre a rampa
é muda.

O véu do silêncio sobre os ombros de uma mulher,
ao fundo uma porta de ângulos negros
como um olho,
entreaberto quando a cortina cai.

 


A PARTIR DA COSTA

Espalhando os seus benefícios uma nuvem voa
seguida de águia mensageira.
Sozinhas, as ilhas gemem viradas para as costas de que partiram
quando o vento coagula sob o gelo, chorando o seu destino.

                          E a morte da nuvem
                          e o finar da águia
                          e o último grito
                          coroam a génese que basta.

Os vislumbres do Oriente não douram as águas da costa
e as luzes do Ocidente não encobrem o olhar do homem que as fita.
Só até ao destino da costa ressoa o canto daqueles que se vão:
Adeus, estrangeiro aos rostos que se dissimulam.




TARDE ATORMENTADA

De manhã à noite, montou a chuva a sua fábula.
Eu não a ouvi, agora o silêncio voltou.
As árvores, meus amigos, são mudas
flanam pelo seu passado:
como, enfim, o faz a alma avara que deixa correr as suas lembranças
e de pérola em pérola entrega a chuva.
Não vejo ninguém, a perder de vista,
e já desatino:
grande, aberto, o meu coração está pronto
a seguir a primeira sombra que passe.





O amor fala sob tantas aparências.
Um trem iluminado trespassa mudo a carne da noite,
o céu encurva-se no invisível,
terra alagada que arqueja e não abranda,
sob o calafrio das estrelas,
ardendo a cidade no centro nervoso da alma.
Um grito solitário está preso atrás dos dentes,
desce para a garganta num turbilhão após o que rasga as células
em sua agitação, até a explosão.
Então chove como na imensidão astral,
a poeira, o silêncio.






Escrevo a abertura de um longo canto
sobre a frescura da tua pele, sobre os teus olhos estranhos
onde se juntam o Sahara, o Atlântico
e mesmo a resina dos pinheiro, que segregam pérolas.
E se numa música prolongo a cadência da minha canção
quebra-se a harmonia até então plena, duma fissura
a que aflora a clara gota da tua juventude.






TOCHA

A noite chegou, vem com ela a neve.
Sob o manto de neve uma montanha.
A mil metros de profundidade
abaixo do cume há uma tocha,
queimando. Quero-a
como sol para a minha noite,
eu quero o impossível
absolutamente.





O DOENTE E O CURANDEIRO

Estou pelo menos em três lugares ao mesmo tempo.
Perto daqueles que amo e que estão feridos, deito-me
como cada um deles, e mesmo na sepultura
eu sou um irmão para os meus irmãos reclinados.

A quem eu deveria agradecer por poder viver plenamente,
posto que estou destinado a ser? Eu não sei.
O acaso transporta-me na palma da mão. Quando a noite
bate nos meus olhos, já não os fecho.

Uma mão toca a minha testa, "Escolhi-te de entre todos",
diz uma voz, e vejo faiscar esse olhar.
O destino tem jogado no nosso pequeno planeta
os homens doentes e os curandeiros.





NA FRANÇA

Sob os choupos há um fogo posto. Fumaça no céu,
e uma avioneta remendada com telas.
Ouço o piloto rir. E operários que assobiam no prédio em construção.
Há mais de um mês que o verão se arrasta, em Outubro
ainda se desfruta a frescura dos relvões. As rosas florescem viçosas
no pátio das casas caiadas de branco. Tudo tão
diferente da sombra e da chuva, em minha casa.
Lá, morre-se. Aqui viver é uma dor de alma.





PIONEIRO

O meu amante deixou-me ontem
e ainda não é certo que volte esta noite.

Marcha, algures, o meu amante e leva uma tocha,
acossado por uma escuridão preta como a que em mim propende -

como a que se nota em mim quando vejo desmoronar-se em pó,
cada pequena partícula com um sol dentro.

Em todos os lugares existem planetas saturados pela noite,
e no meio da noite um pioneiro busca talvez a morada do desespero.



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