segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

POEMA DE NATAL PARA CORO E TROMPETE

                                                                              paul gauguim





 Uma fomeca das antigas,
                                        ó pátria amada*,
das que não se desvia na lembrança
de sazonais papos de anjo
                          e voeja
omnipresente, esfoliadora, irritante,
como as moscas verdes de pança mole,
                      que não se enxotam
e têm velcro
nas patas e afanados bancários,
polícias e juízes a melar no zumbido;

uma fomeca das antigas,
                                 das que sega
a libido nas crianças e se amplia
como um mapa-mundi
só com ilhas furadas,
                                     mega-
-terço onde os humanos são gradientes
                        ultrapassados;

uma fomeca das antigas,
         maravilhoso povo moçambicano*,
agarrada como visco às cambalhotas
que derrubam a verticalidade do homem
acasalando-o com as orquídeas
                                                        rasgadas
do canteiro onde o empreiteiro
            - mamã, foi engano! -
derramou a brita;

uma fomeca das antigas,
             capaz de inocular
a matacanha na palma mirrada de deus
e de fazer com a ialma
                                        e o pito das pitas
uma exaurida caldeirada de línguas
até a palavra, fantasma que encanou
os polvorosos caminhos do inferno,
                              corar de vergonha,

foi essa a fome
que atou Samuel Enchido Ntundo
fugido da pastorícia em Magude
            para pedir esmola em Maputo,
às grades do Ministério do Trabalho
onde exibe aos transeuntes o seu
            olhar marasmado…
parece um cão, tem os olhos inchados, reboludos
daqueles pequeninos… os malteses…
explicou a votiva Cândida dos Recursos Humanos
                       faz cá uma impressão…

foi essa a fome que escarificou Samuel
                                        ao descobrir
que a árvore de Natal é de plástico
e que nestas festas
                                   - triste melódica
que o vento intercepta numa janela –
enquanto os políticos
contam morto
em congresso no bojo do elefante** -,
                      ele não vai ter gafanhoto.




*expressões que fazem parte da retórica do presidente Guebuza
** neste fim-de-semana terá lugar, na Gorongosa, o Congresso da Renamo, onde se sancionará a resposta da direcção do Partido ao resultado oficial das eleições de Outubro

Sem comentários:

Enviar um comentário