sexta-feira, 13 de setembro de 2013

HARPO MARX NA JAULA DOS LEÕES


Revistas as provas finais do meu livro «Harpo Marx na Jaula do Leão», que sairá ilustrada com cinco belíssimos desenhos do Manuel San Payo.
É um livro de poesia que não sei classificar e que, pressinto, dividirá os leitores, tão à míngua de um lirismo de que, neste livro, me sinto algo arredado, ainda que termine com um longo poema de amor; o qual os que tendem a querer catar emoções nos versos acharão frio.
Um livro algo conceptual, em que o satírico alterna com alguns momentos de uma melancolia expansiva e em que o discursivo e o narrativo se sucedem, aqui e ali, armadilhados por elipses.
Será o meu segundo livro depois dos 50, e julgo que com  o anterior«Não se Emenda, a Chuva», constituirá o momento mais maduro da minha produção. Neles abandonei os malabarismos da metáfora e da linguagem, numa mescla de construção e coloquialidade.
Aqui deixo o poema de entrada do ciclo que dá nome ao livro:


HARPO MARX NA JAULA DO LEÃO
                                                     para o João Paulo Cotrim
1

Lembro-me duma jaula abelhuda
que não desgruda do desassossego de uma veia
e de Harpo Marx lá dentro, com um leão
vagamente adormecido —
a buzina, emaranhada na juba,
muda — e dele
com o indicador nos pedir «shiu».

Ou talvez confunda
com outra jaula num comboio
e outra indubitável fera fulva
em Some Like it Hot , de Billy Wilder.
O sniper que me ajusta a mira da memória
é que não me deixa mentir:
era felino o rosto de Harpo.

Glória de um homem talhado
para reinar, ainda que só
entre crisântemos, harpas e mimos,
tendo por ministros particulares
os poucos anjos
que – às primeiras, roazes, feiras
do Verão –, inebriados
pelo vento de nortada que tatua
o desejo nos pomares, não se evadem.

E ainda que vasto seja o sobrevoo
(a imaginação dos adultos sempre pinga),
nunca será o desfecho previsível,
se, em troca de uma língua-de-gato,
em criança nos inquirem
                                       o que
queres ser quando fores grande…
por isso, sem aparato, foi esse
o meu segredo
mais bem guardado na inflamável
fortaleza das amígdalas.

Queixava-se o Borges, eu que tantos
fui não fui o patusco que enxugou
na sua ínsua maledetta o profuso estuário
da Ava Gardner (não era esta a Eva dele,
mas a que mais me aflui à infância
do desejo): retórica pura — 
em matéria de sexo, só os toureiros
e as condessas descalças sabem da poda.

Eu queria ter sido simplesmente
o Harpo Marx das pontas
que ficaram por montar, a sua mudez
presciente, posto serem as palavras
barcos que partem, encadeados
por desavisados destinos.


E, asseguro-vos, a vergonha
que tinha valia por doze sarapitolas,
enchia oito frascos de compota.

 

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