Nem sei como isto se deu. Por piada e curiosidade comecei a juntar todos os sonetos que havia escrito, éditos e inéditos, e como quem não quer a coisa acabei com uma antologia de 180 sonetos, aproximadamente. Aqui deixo um ciclo de que gosto e que me surgiu em diálogo e intertextualidade com um romance de Maria Velho da Costa, Irene, ou o Contrato Social. A minha dúvida agora está no título, se hei-de dar ao conjunto o nome destes sonetos, se o de Bagagem Sem Passageiro. Quem quiser opinar faça favor.
A
MINHA NOITE COM CALIBAN
1
Em
que guarita arde vígil
a
palavra - na noite que lhe foi imposta?
Deus: dorme-lhe bem
sobre este estuário podre.
Casco de fuligem invertido: o dia.
Mais habitadas pelos olhos,
aladas pelos golpes que relançam,
ficam as mãos translúcidas –
como antes de entaipadas.
Enruga a pele porque os ossos -
como a glicínia que é só haste
ensarilhada em si própria -
desirmanam em estalidos vãos?
Dobra
o seu nome na língua:
limoeiro
depredado de os-sos e vísceras. Doba
o seu nome na ave: gran
Senta-se, sobre os quartos traseiros,
sentada de cu, desencaixada,
tal qual as crianças de leite
e as corolas desconformes,
despeladas num ápice.
Sobre os quartos
traseiros, sob
os calores e as rajadas
nocturnas.
3
Não
eram casas, eram nesgasde outros espaços que logo
se desapercebiam. Era a morte
assim, prolífica de lugares,
a vigília súbita - indício do pavor
de estar a regressar
a uma diversidade
do ter sido, do vir a ser?
Estuários, ravinas, moradas,
à vez reconhecidos e ignotos
como os de um anjo?
Sonham os cegos ou vêem
noutras partes?
Não há acudimento.
Com
salmão fumado
e
convidado de pedraos animais que imitam
a fala que é a alma homo-
grafam o desconcerto.
Quem enxota um pássaro,
se não carece de salvaguardar
a semente miúda, o trigo e o joio?
Bárbaros, pensou Ariel,
atirando migalhas sem amor
nenhum aos pássaros já alienígenas
de fartura. Dava-me gozo matá-los
a trigo-roxo, fazê-los à vida
pelo princípio da indeterminação.
Uma
nuvem gomosa deitava-se
ao
comprido no estuário.É uma coisa alarmante aquele edredão
Encardido sobre o rio, as suspensões da ponte,
cíclame sem pés, suspenso de nada,
roxo e frio. Pisca um avião a adornar
para a descida na Portela. Amar um avião,
amar como um cão a memória rasa
das cidades. Ao longe,
no relvado,debaixo dos verdes cinzas
das oliveiras, duas gaivotas
despedaçavam
um pombo ainda vivo.
Um dia de mortes nunca vem só.
Matéria
circunvoluta, estriada: o desejo
é o
que eu trazia comigo, carne na carne, a gangrena de nações. O desejo, um deus
que a si mesmo se come e não poda
até o hibisco rosa, em plena floração.
Se não é a luz inconsútil pode a palavra sê-lo?
Nada mais viscoso que a astrofísica
em argolas baleares e totémes esburgados
em leilões de assíntona compaixão
Deixa a tua vida na entrada dos actores,
como um intervalo entre actos.
De cinco em cinco anos também o Ekla e
os Capelinhos choram fogo e castanhas incomestíveis
Gente
irremissa, até no meio
dos
ciclones, preocupada com uma malha caída, um cabelo na sopa.
O tecto do mundo não é o Himalaia
mas o coração que espera,
a espera ainda sem folga,
a ungulada asa preta
do morcego.
Não ponha música,
oiça-me
a música faz-me doer os olhos.
Os mortos também dev
em ter saudades,
entende?
Não
deixes proliferar
as
tuas vozes,que a poliglossia
nos ovos
seque o vento na árvore
Todos ali numa comunhão
de espíritos, ninas, elfos,
bodes peludos
Mas não –
só no jogo de luzes
da noite
que há-de vir.
Para te comer.
caro antónio cabrita,
ResponderEliminara minha opinião não é para ser levada a sério, agradam-me ambos os títulos, mas talvez proporia-lhe o segundo porque me faz lembrar o do meu segundo volume "passageiros clandestinos", um pouco como - e não há qualquer relação aí - "todos os nomes" de saramago e "os nomes que faltam" do carlos alberto machado.
um grande abraço
Bela merda de poemas. Bah!
ResponderEliminarAntónio K.