quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

PROCURA-SE FOTÓGRAFO E SETE NOTAS PARA DIÁLOGO

                                                                   mary bauermeister


BALADA DO ADÚLTERO


Seja o amor um pomar reservado
e meigo, embora transigente

no ornato: pomo com bicho,

reinadia malandrice, afluentes

que à letra do leito angular
trazem novas, prósperas, imagens
e o sismo que adoça a pontualidade.

Que o amor se alce

e, animal com mais pêlo
na venta que simetria, não desatenda

a ilusão de cirúrgicos desvios,

trocar portas por janelas

- uma deleitosa intercessão.
E porque o amor não invalida

o calafrio, e sede há

de sermos vários, de antemão

injecte no miolo da confiança o perdão
e um por outro verso desmaiado,

à ombreira da decisão de tornar

a casa, de coda entre as pernas.


A EMPREGADA DO BAR

Tem as unhas violeta

que terá o candelabro

que das suas lágrimas

se esqueceu.

As sobrancelhas estão ao osso.
Lábios espetados em vê,
detonados

em duas narinas

de longo curso.

Nos seus seios a réstia
do mais intratável pagão
se crucificaria em Cristo.

Com um guardanapo limpa
a transpiração que lhe lajeia

os braços.

Fala com se anoitecesse
papoilas que nunca viu.

Chama-se Esperança.

Não é?


ABC DA POLIGAMIA

“falou que hoje não conseguiu
o dinheiro para me importar

e que por isso me exportava

pra casa de minha mãe...”

 Ouvi à desfeiteada, curioso
por conhecer o génio dos afectos

que assim gere a economia dos (g)la(cia)res

- deuses, como é sabido, em deflacção.




- Não bebe, mas já vem com ela nos cornos.



- Disse-lhe sempre que era bela,  o que era verdade, mas nunca que a amei, o que não era mentira... não sei onde ela me achou falso.


- Era tímida, como se tivesse vergonha por não ter segredos

- Aquele? É tipo papagaio sem freio. Todos os homens papagueiam um bocado mas estar todo o dia com uma gralha dá taquicardia...

- A moléstia é sempre pouca quando é mole.
- Moléstia?

- A arrelia que é mole como a merda...

- Não te percebo...

- Isso é pior que a nhanha, é acostumação...


- Só vivi a vida que foi intencional...


- Quem não chora não mama!
Atira-lhe ele, que chega ao pé dela na esplanada.

- Quem não mama, não chora...

Replica ela, ufana.

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