sábado, 6 de julho de 2013

A ANÁLISE POLÍTICA: ATCHIM!

                                                               Portas, "o tunisino"

A demissão de Portas era “irrevogável” para a sua consciência mas não “impreterível” para o país, daí o volte-face. Na verdade, lendo a sua declaração de demissão na íntegra não encontramos aí nada de irrevogável, i.é, de irreparável, para além da ameaça do adjectivo – nada mais que um signo flutuante. É um texto contido, educado, tão calculado que não existe nele uma aresta, um imprevisto, um adjectivo imperdoável, aquele pequeno excesso de humano – furor e vergonha - que encontramos em todos os divórcios.

Não, este era dominado como a esteira rolante que imprime um ritmo uniforme. Ora, não é possível a alguém zangar-se de facto sem que um mínimo da sua respiração se altere. A não ser que não esteja zangado de facto e só queira mostrar que está. Aí escolhe uma palavra oca como uma noz bichada e mete-a em cima da mesa. Espectáculo. Azar dos outros se depois a noz afinal está vazia.

«Entretanto – leio em Hannah Arendt –, é função de toda a acção, como distinta do mero comportamento, interromper o que, de outro modo, teria acontecido automaticamente, tornando-o previsível». Repare-se na distinção que a autora faz entre acção e comportamento, que é importantíssima para o élan político e os seus efeitos.

É aqui se manifesta a diferença entre Passos Coelho e Paulo Portas: Passos Coelho está absolutamente obcecado com o comportamento, tomou para si um desígnio e segue-o obedientemente sem concessões, por isso foi incapaz de escutar as razões de Portas para a escolha de Maria Albuquerque. Portas é de outra inteligência – ele sabe que de vez em quando é preciso interromper o processo para que a acção tenha lugar, e a sua via ser inesperada só lhe dá força. É o que acontece agora – ele volta e Coelho está refém, e o país, que ficou refém da sua demissão irresponsavelmente grandiosa fica agora cativo pelo grandioso sacrifício com que volta, apesar da sua consciência.  Ah, heroicidade!

Numa coisa ele tem razão – o que falta à vida política de hoje é acção. É tudo previsível. A oposição unicamente reage à agenda do governo, e nas redes sociais só parece haver uma única vontade: derrubar o governo. Não passam de comportamentos. E por isso estão as redes sociais dependentes dos mais inaparentes flatos. Não há um grama de invenção política, só anedotas e opinião. Só Portas parece perceber a força e a mobilização do inesperado.

Por isso pôs todo o mundo a falar dele, e um terço a pedir-lhe que voltasse. Debaixo de tantas luzes as sombras não são possíveis e por isso o que era um recorte – a irrevogabilidade – deixa de o ser. Ou seja, o seu golpe de teatro torna-se destino porque lhe dão importância. E não interessa se vai voltar realmente ao governo ou se fica nos bastidores a manobrar os cordéis – a vitória é sua.

Haverá quem se indigne com o descaro de Portas e os seus volte-faces, como se ainda estivéssemos numa época de homens com carácter. A tipologia agora é outra, o gesto, a dignidade, a honra já não organizam sentidos; agora, como diria o Sócrates, a “narrativa” justifica tudo. Não interessa mais se a moral se torna lábil, a narrativa dará um remate feliz à soma de vergonhas. O importante já não é ter uma moral mas parecer ser o dono da sua narrativa.

Daí a importância que se dá no facebook às opiniões e aos likes – é o modo de cada um decalcar uma ilusão de protagonismo num comportamento tribal: protesta-se protegido por um sentimento de unanimidade. Mimeticamente. No mesmo impulso com que Passos Coelho imita o desígnio que traçou para si. E numa adição de curiosos pensamentos e emoções diferidas, que não se vive mas se “partilha”.

O que era necessário para que a gente que pulula hoje na política fosse varrida? O contra-golpe narcísico.
Se durante uns meses as pessoas calassem a sua gritaria em relação à espuma política os políticos ao princípio achariam que tudo estava bem no reino da Dinamarca e depois começavam a assustar-se porque não sabiam do seu imago e ninguém lhes apontava o cheiro fétido.
Ao fim de seis meses, com o medo de se terem tornado realmente irrelevantes, tomavam banho para parecerem iguais aos outros, porque o mimetismo governa, infelizmente, todas as relações humanas.
Como os cães do Pavlov estamos reféns da reflexividade entre o FB e a política e aí temos os Portas e Coelhos que merecemos e as carraças voltam porque sentem que fazem falta a quem se coça.

(Chiça, que hoje acordei com os vóltios do avesso, amanhã hei-de voltar a achar que o fb é um fórum necessário e que toda esta verborreia: atchim…)         

5 comentários:

  1. Perdoa-me o melodramatismo mas achas que este género de “contra-golpe narcísico” é uma expressão civilizada da “Banalidade do Mal” de que Hannah falou?

    Porque é que esta análise não está publicada na imprensa portugalesa?

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  2. Caro amigo, gostei de ler.

    Um grande abraço.

    FC

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  3. não, meu caro anónimo, uma coisa não tem nada a ver com outra... quanto à segunda questão a pergunta não me deve ser endereçada mas à imprensa portuguesa.
    abraço

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  4. Olá eu sou o Hugo, não sabia como contata-lo por isso escrevi este comentário. A professora de portoguês Rosa Alice, não é minha professora mas eu a conheço disse me para eu falar com o senhor,o assunto é, eu escrevi um livro 86 paginas sem contar com a ilustração. Enviei para a edtora Chiado e eles aceitaram publicar, mas eu preciso de mil e dzento. e 70 e tal euros (1273 acho que é 73) e então era para saber se havia uma editora que fazia mais barato, disse me para eu experimentar. Nesse momento estou a tentar participar na DRAC a ver se dão eles o apoio, não sei se vão dar. Muito abraços e fico á espera de resposta e já agora bom trabalho com o blog.

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    1. desculpa aqui deixo o meu email hugomachado-1@hotmail.com

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