Do livro Não se emenda. a chuva, escrito para comemorar os meus cinquenta anos e lançado em 2011, numa edição reduzida e praticamente invisível, este ciclo de poemas que redigi na praia da Macaneta, meu habitual refúgio, a 40 km de Maputo
para o José Capão e a Isa
1
É nítido:
as ondas antes de rebentarem espreguiçam
as suas
malhas de leopardo.
Segue-se
um plaino onde em borbotões correm
os mantos
de água para a praia.
Aí me
sento, corsário aposentado, rebolando-me,
consoante
a força das correntes, enquanto, sondando
sob a
areia o filão das amêijoas, as mãos apagam
as linhas
da vida.
Como se
exaure macio, o tempo, neste ajuste
de ombros e
quadris à espuma,
esquecido
de si mesmo.
Os bivales são escassos
(iniciada
tarde a colheita),
comparados com o ventre
líquido dos felinos.
2 (madrugada de 1 de Janeiro de 2010)
Já era
assim quando fui cão.
E hoje
cheira-me que volto a transigir em solo
desconhecido:
amo, é tudo,
ainda que o
decoro com que revisto a brutalidade
duma tal
decisão
(muda-se o
ano, muda-se a vontade),
possa
anunciar excelsa a vigota do temor.
E se o
tempo me volta a desenganar?
Alça a
perna, urina contra a casuarina. O frescor
da manhã
nas partes gagas é ciência certa.
3
«Ao fim de
catorze anos de casamento, entregamo-
nos como
duas crianças envergonhadas pelas suas
faltas e
talvez por isso nos amemos…», leio
- como
isto fala de nós, meu amor.
Descrever-te
os pássaros na Macaneta?
Precisaria
de ser o flautista de Hamelin,
que pelo
sopro arrastou ratos,
crianças, chaminés e
soldadinhos de chumbo.
Mas olha,
tinhas razão, devia ser proibido adormecer
sem ter o
mar por fundo.
Noutras condições
parece-me sempre o amor modesto.
4
A ideia de
que o tempo pudesse ser massa folhada:
uma ideia
de garoto,
competia
ainda o mil-folhas de domingo com o
reclamo do
primeiro beijo,
sonho
fatídico, onde me transmuto ainda.
Não se
retalia. Pode-se até esquecê-lo, emprestar-
lhe a
sinusite, deixá-lo a debulhar lágrimas
com a
fotografia, à beira da catástrofe
onde um
morto lacera, de olhos verdes.
Mas,
incessante, sinuoso como o pulmão que
sincroniza
um bando de flamingos, hás-de voltar a ele
como ao
pobre nome que percutes
contra os
dentes, ansiando por tertúlia.
Não se
retalia, ao tempo não se retalia. Pois
quem vive
de travões emprestados? Como eu,
nessa
noite especial, ondulante,
em que
forcei a insónia para ouvir pela rádio o
último
round entre Ali e Frazier
– dois
lençóis friáticos treinados para ficarem
num fiapo
muito antes de lhes chegar traça –
eu, um
miúdo ainda de todo alheio
aos
knock-outs de Cortázar, à malsã
auto-piedade
do Sísifo de Camus, às laranjas azuis
de Éluard,
criança ainda de todo inepta
para
deduzir que contra os relógios só o alho porro
e,
sobretudo, não picar com a mesma faca amor e ciúme.
E disposto
a confiar nele como na vitalidade do nariz que pinga,
e a
incutir: você é quem sabe, você faz o preço!
E o tempo,
sorna, de sorriso a tiracolo, a descarnar-
me as
gengivas, a enrodilhar-me nas suas veias de lobo
(- a sua
pata de papelão não perdia de vista
o meu
mealheiro sobre o frigorífico),
enquanto
Ali - grafitos indeléveis no céu
de Órion -
ginga ao canto, furtando-se
ao amasso
de Frazier, e resiste,
uma e
outra vez, dando enlace e realce
5
Napoleão
tinha um belo chapéu mas a sua maçã
de Adão
não cabia no colarinho da paciência e no labéu
de Santa
Helena esqueceu que ver é separar.
Foi o que
o ensandeceu: tomar a baba do tempo
por aves
de passagem.
Largo a
revista de generalidades onde me inteirei
das
adversas flutuações da história e vou ao quarto buscar
Os Sofistas, de W.C.
Guthrie, para o debicar deitado
na rede
enquanto num soslaio espreito o coreto
do mar, nas
árvores.
Mas, ao
lado do alpendre, nas minhas costas,
A Isa de
sacho, desbasta raízes e pedras,
num
canteiro de solo tumultuado, agreste,
(a
construção é recente) e pergunto,
tens
instrumento para que te ajude.
Eis-me de
ancinho a puxar o manto de areia branca,
a brita,
os inóspitos bezouros de cimento, até que
assome 15
centímetros abaixo
a terra
vermelha - ver é separar.
Martelo
com afinco o escopro para rebentar as
línguas de
betão que o cansaço
e o
desleixo dos operários
deixaram
escorridas no bordo da casa,
e depois volto
a puxar a areia prenhe
de pólipos
rijos como cobras,
a fim de
restituir à superfície a terra macia,
ávida de
augúrios e sementes.
Hora e
meia nessa tarefa, até os músculos
se
estilhaçarem como pirex.
Tomo um
merecido duche e enceto finalmente a
leitura,
na rede, o mar alto a rebate nas árvores.
E
descubro-me mais focado e atento ao recorte
das
palavras, à irradiação ou à sua amolgada sombra.
Mais certo
do que jurava Rilke: uma metáfora exige
quilómetros
de caminhada, o faro
apura-se
no esforço físico.
E ao ver a
Isa - ver é separar – a desbastar as raízes,
uma hora
depois de, derreado, me ter acostado,
sei que
Protágoras mentia:
a
existência dos deuses não
é
suposição indemonstrável, pois afinal
quem mais
lhe poderia acender nos braços luzeiros
de tal
energia? Intuo: só o amanhar
da terra,
penteá-la com ancinho,
esfiapa o tempo.
6
Mais
meia-hora da carga valente que caiu e podia
apresentar
às miúdas o general Custer.
A Luna
dançou à chuva, a Jade
adormeceu
no fulcro
da
tempestade.
Eu, dado o
adiantado da água temi que o dragão
sem freio
do tempo nos mergulhasse,
a mim e à
amada, nas comportas do amor para
nos cuspir
depois nas suas margens
já sem o
escalpe da memória.
O Capão,
depois de examinar no tecto a qualidade
da
construção – nem uma gota digna de um dedal –,
mais
tranquilo, explica à Isa as manobras
do seu
exercício de Sudoku.
Encho a
fornilho do cachimbo com o tabaco
que me
trouxe Sitting Bull, de tudo aliviado.
7
No meio
dos raios e coriscos da hirsuta moita
que desbasta,
lembra o Capitão Haddoc,
a indómita
alegria com que cachimba e soluça num «hips».
Tomado
pela mesma tenacidade expande o José Capão
a sua
sombra nesta duna, onde desfaz nós e refrigera
uma vida
de disputas; ora com a tesoura de poda,
ora
traçando os caminhos da laje,
ou
inquirindo se mantém ou elimina
a enorme
teia de aranha que envolve em núpcias
e promessas
metade da laranjeira, ora
fechando
uma pálpebra por outra na rede,
enquanto o
mar da Macaneta
craveja na
carne das estrelas o esvoaçar das borboletas.
O que me
faz suspeitar que o tempo
por vezes rende
as intempéries.
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