Uma muito simpática crítica de José Mário Silva sobre o Éter, saída hoje no Expresso.
Em 1978, depois de ter
traduzido duas antologias de poesia chinesa e outras duas de poesia japonesa,
que se tornaram clássicos, o poeta americano Kenneth Rexroth apresentou uma
nova poeta japonesa, desta vez contemporânea, MARICHIKO, e os seus poemas de
amor. O livro teve um enorme êxito e só uns anos depois é que se colocou em
causa a identidade da poeta, que, na verdade se tratava de um heterónimo do
poeta. Aqui deixamos algumas versões desses tão breves mas tão electrizantes
poemas de amor:
I
Sento-me à escrivaninha.
Que mais te dizer?
Doente de amor,
só convalesço se te vejo em carne e osso.
Nada mais há a escrever, apenas,
“Amo-te. Amo-te. Como te amo!”
O amor corta o meu coração
e rasga as minhas entranhas.
Espasmos de saudade sufocam-
-me, imparáveis.
Que mais te dizer?
Doente de amor,
só convalesço se te vejo em carne e osso.
Nada mais há a escrever, apenas,
“Amo-te. Amo-te. Como te amo!”
O amor corta o meu coração
e rasga as minhas entranhas.
Espasmos de saudade sufocam-
-me, imparáveis.
II
Pensasse eu que me poderia escapar
Pensasse eu que me poderia escapar
e ir ao teu encontro,
dez mil milhas seriam menos que
uma milha,
mas estamos ambos na mesma
cidade
e não me atrevo a ver-te -
uma milha é mais comprida que um
trilião de milhas.
IV
Perguntas-me em que pensava
antes de sermos amantes.
A resposta é fácil.
Antes de conhecer-te
não tinha nada em que pensar.
V
O imenso outono recobre o mundo
O imenso outono recobre o mundo
com brocado chinês, antigo.
Os grilos, que apregoam
“remendamos roupa velha!”,
são mais frugais do que eu.
VI
Só nós.
Só nós.
No nosso pequeno abrigo.
Longe de todos,
longe do mundo.
Só o som da água rolava sobre a
pedra.
E então digo-te:
“Escuta: o vento passa entre as
árvores”.
IX
Acordas-me,
Acordas-me,
afastas as minhas coxas e
beijas-me.
Dou-te o orvalho
da primeira manhã do mundo.
x
A geada cobre os juncos do
pantâno.
Uma chuva miudinha sopra
através deles
e faz fremir as lanceoladas
folhas.
Pulsa o meu coração inteiro, de
felicidade.
XVIII
Atiçam-se
fogueiras no meu coração.
Fumo nem vê-lo.
Ninguém se dá conta.
XXII
Grito quando me mordes
Grito quando me mordes
os mamilos, e o orgasmo
atravessa o meu corpo, como se
tivesse sido cortado em dois.
XXV
A tua língua contorna e desliza
dentro de mim.
E torno-me surda e resplandeço
com uma luz instável
como o interior
de uma expansiva
e dilatada pérola.
XXVII
Saía da casa de banho,
agarraste-me diante do espelho grande
e enrolámo-nos no divã,
rapidamente os meus seios baloiçavam
nas tuas mãos e as minhas nádegas
estremeciam contra o teu corpo.
XXXII
Sustenho a tua cabeça apertada
entre
as minhas coxas, e pressiono
contra a tua boca - flutuo à
deriva
para sempre, numa barca
de orquídeas que sobe o Rio do
Céu.
XXXVII
É só o vento
roçagante na erva de bambu?
Ou és tu que vens?
Ao menor estalido
o meu coração saltita num
latido.
Tentando suprimir o meu
tormento
dormito um pouco
mas só consigo espertar-me mais.
XXXVIII
Esperei
toda a noite.
À
meia-noite quem me tocasse
pegaria
fogo.
Ao
amanhecer, no anelo
de
sonhar uma réstia de ti,
enfiei
a cabeça cansada
nos meus braços cruzados,
mas o pipilar dos pássaros
que despertavam atormentou-me.
XLII
Quantas vidas faz
Quantas vidas faz
que nadei pela primeira vez na
torrente do amor,
para descobrir ao fim
que a margem é inalcançável.
E no entanto sei
que seguirei nadando e nadando.
XLIV
Se o meu cabelo está uma rodilha
é devido à minha insónia e ao travesseiro solitário.
Os meus olhos encovados e o meu rosto desfigurado
é culpa tua.
L
No parque um corvo desperta
No parque um corvo desperta
e lastima-se sob a lua cheia.
E eu acordo e choro
pelos anos que se foram.
LI
Fizeste-me tua porque me amavas?
Fizeste-me tua porque me amavas?
Fizeste-me tua sem me teres
amado?
Ou somente me fizeste tua
para meter à prova o meu
coração?
LX
Com arrepios, levanto-me
ao primeiro fogacho de luz. Do lado de fora da janela
uma folha vermelha de plátano cai em silêncio.
No que devo acreditar?
Indiferença?
Maldade?
Eu odeio os sinais do dia que chega
desde aquela manhã quando
o teu relance insensível me congelou
como pálida lua na bainha da alba.
Com arrepios, levanto-me
ao primeiro fogacho de luz. Do lado de fora da janela
uma folha vermelha de plátano cai em silêncio.
No que devo acreditar?
Indiferença?
Maldade?
Eu odeio os sinais do dia que chega
desde aquela manhã quando
o teu relance insensível me congelou
como pálida lua na bainha da alba.
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