Este poeta finlandês (nascido em 1927) sempre me fascinou, desde que comprei uma antologia sua da Gallimard (Les mots longs/ poèmes 1950-1994). Mais tarde os poemas que dele se reuniam numa antologia em inglês (Contemporany Finnish Poetry, organizada por Herbert Lomas e editada pela Bloodaxe Books), confirmaram o meu interesse. Aqui avanço com umas versões de alguns dos seus poemas:
OS JAPONESES
Os
japoneses simulam colisões de galáxias
com
o tempo sem dúvida que daí se extrairá qualquer coisa a vender.
Um
idoso está plantado sob o semáforo, não ousa
atravessar
a rua malgrado o sinal verde. Ó Céu
dá-me
a força de ver e, tendo-o visto,
de
suportar as coisas do real, se é que existem.
Tempos
houve em que amei, e amo ainda.
Não
sei renunciar. O sinal passou a vermelho.
IMAGEM
O griséu das paredes e as janelas.
Não acontece nada em cena;
há uma mulher debaixo de uma
lâmpada, solitária,
uma sombra descarnada tropeça
contra a parede.
Ninguém atravessa o palco
quer para a esquerda ou pra
direita, ninguém.
A silhueta do poema sobre a
rampa
é muda.
O véu do silêncio sobre os
ombros de uma mulher,
ao fundo uma porta de ângulos
negros
como um olho,
entreaberto quando a cortina
cai.
A PARTIR DA
COSTA
Espalhando os seus benefícios
uma nuvem voa
seguida de águia mensageira.
Sozinhas, as ilhas gemem
viradas para as costas de que partiram
quando o vento coagula sob o
gelo, chorando o seu destino.
E a morte da nuvem
e o finar da águia
e o último grito
coroam a génese que basta.
Os vislumbres do Oriente não
douram as águas da costa
e as luzes do Ocidente não encobrem
o olhar do homem que as fita.
Só até ao destino da costa
ressoa o canto daqueles que se vão:
Adeus, estrangeiro aos rostos
que se dissimulam.
TARDE ATORMENTADA
De manhã à noite, montou a
chuva a sua fábula.
Eu não a ouvi, agora o silêncio
voltou.
As árvores, meus amigos, são
mudas
flanam pelo seu passado:
como, enfim, o faz a alma avara
que deixa correr as suas lembranças
e de pérola em pérola entrega a
chuva.
Não vejo ninguém, a perder de
vista,
e já desatino:
grande, aberto, o meu coração
está pronto
a seguir a primeira sombra que
passe.
O amor fala sob tantas aparências.
Um trem iluminado trespassa
mudo a carne da noite,
o céu encurva-se no invisível,
terra alagada que arqueja e não
abranda,
sob o calafrio das estrelas,
ardendo a cidade no centro
nervoso da alma.
Um grito solitário está preso
atrás dos dentes,
desce para a garganta num
turbilhão após o que rasga as células
em sua agitação, até a
explosão.
Então chove como na imensidão
astral,
a poeira, o silêncio.
Escrevo a abertura de um longo
canto
sobre a frescura da tua pele,
sobre os teus olhos estranhos
onde se juntam o Sahara, o
Atlântico
e mesmo a resina dos pinheiro, que
segregam pérolas.
E se numa música prolongo a
cadência da minha canção
quebra-se a harmonia até então plena,
duma fissura
a que aflora a clara gota da tua
juventude.
TOCHA
A noite chegou, vem com ela a
neve.
Sob o manto de neve uma
montanha.
A mil metros de profundidade
abaixo do cume há uma tocha,
queimando. Quero-a
como sol para a minha noite,
eu quero o impossível
absolutamente.
O DOENTE E O CURANDEIRO
Estou pelo menos em três
lugares ao mesmo tempo.
Perto daqueles que amo e que
estão feridos, deito-me
como cada um deles, e mesmo na
sepultura
eu sou um irmão para os meus
irmãos reclinados.
A quem eu deveria agradecer por
poder viver plenamente,
posto que estou destinado a
ser? Eu não sei.
O acaso transporta-me na palma
da mão. Quando a noite
bate nos meus olhos, já não os
fecho.
Uma mão toca a minha testa,
"Escolhi-te de entre todos",
diz uma voz, e vejo faiscar esse
olhar.
O destino tem jogado no nosso
pequeno planeta
os homens doentes e os
curandeiros.
NA FRANÇA
Sob os choupos há um fogo posto.
Fumaça no céu,
e uma avioneta remendada com
telas.
Ouço o piloto rir. E operários
que assobiam no prédio em construção.
Há mais de um mês que o verão
se arrasta, em Outubro
ainda se desfruta a frescura dos
relvões. As rosas florescem viçosas
no pátio das casas caiadas de
branco. Tudo tão
diferente da sombra e da chuva,
em minha casa.
Lá, morre-se. Aqui viver é uma
dor de alma.
PIONEIRO
O meu amante deixou-me ontem
e ainda não é certo que volte
esta noite.
Marcha, algures, o meu amante e
leva uma tocha,
acossado por uma escuridão
preta como a que em mim propende -
como a que se nota em mim quando
vejo desmoronar-se em pó,
cada pequena partícula com um
sol dentro.
Em todos os lugares existem
planetas saturados pela noite,
e no meio da noite um pioneiro
busca talvez a morada do desespero.
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