domingo, 7 de dezembro de 2014

A «SÍNDOME DE ERNESTO» E A MULTICULTURALIDADE/ Ser professor em Moçambique

                                                      ernesto, de marguerite duras

O meu único texto editado pela Routledge, no volume, Diversity, intercultural encounteurs and education, co-coordenado pela Susana Gonçalves, do Instituto Politécnico de Coimbra 
(versão encontrada num velho disco, e a que faltam algumas referências de rodapé) 

1
Um conto do Machado de Assis, Ideias do Canário, parece-me bastante elucidativo quanto ao que iremos tentar concretizar:
Um especialista em ornitologia, o senhor Macedo, encontrou na penumbra de um ferro-velho um canário cuja beleza lhe mereceu comentários sobre o dono que se teria desfeito de tão mimoso exemplar. E para surpresa sua, ouve o canário trilar:
-Que dono? Esse homem que aí está é meu criado, dá-me água e comida todos os dias, com tal regularidade que eu, se devesse pagar-lhe os serviços não seria com pouco; mas os canários não pagam criados. Na verdade, o mundo é propriedade dos canários.
Pasmado, o senhor Macedo perguntou-lhe se ele não teria saudades do espaço azul e infinito. Resposta pronta do canário:
- Mas, caro homem, que quer dizer espaço azul e infinito?
- Perdão, tornou o homem, que pensas deste mundo? Que coisa é o mundo?
O mundo, redarguiu o canário com certo ar professoral, o mundo é uma loja de ferro-velho, com uma pequena gaiola quadrilonga, pendente de um prego; o canário é senhor da gaiola que habita e da loja que o cerca. Fora daí, tudo é ilusão e mentira.
O assarapantado Macedo não descansou enquanto não comprou o canário. Queria assombrar o século com a sua extraordinária descoberta. Um canário que falava. Começou por estudar a língua do canário; e depois entrou propriamente na história dos canários, na origem deles, na geologia e flora das ilhas Canárias, se ele tinha conhecimento da navegação, etc. Conversavam longas horas, Macedo coligia as suas notas, enquanto o canário devaneava.
Macedo dormia pouco, acordava duas e três vezes por noite, passeava à toa pela casa, febril com o trabalho, o qual relia, emendava, rasurava. Rectificou mais de uma observação, — ou por havê-la entendido mal, ou porque o canário não a tivesse expresso claramente. A definição do mundo foi uma delas. Três semanas depois da entrada do canário em sua casa, pediu-lhe que lhe repetisse a definição do mundo.
— O mundo, respondeu ele, é um jardim assaz largo com repuxo no meio, flores e arbustos, alguma grama, ar claro e um pouco de azul por cima; o canário, dono do mundo, habita uma gaiola vasta, branca e circular, donde mira o resto. Tudo o mais é ilusão e mentira.
Um sábado, Macedo acordou doente, doíam-lhe a cabeça e a coluna. O médico ordenou absoluto repouso; era excesso de estudo, não devia ler nem pensar, não devia saber sequer o que se passava na cidade e no mundo. Assim ficou cinco dias; no sexto levantou-se, e só então soube que o canário, estando o criado a tratar dele, fugira da gaiola. O homem ia tendo um ataque cardíaco. Recuperado, procurou o canário nas imediações da casa, durante dias, nada. Nem sombra de canário. Desesperou, mas tinha as suas notas.
E começou o seu livro, ainda que incompleto. Um dia foi visitar um amigo, que morava numa das mais vistosas vivendas da periferia. Passeavam no jardim antes de jantar, quando ouviu trilar a pergunta:
— Viva, Sr. Macedo, por onde tem andado que desapareceu?
Era o canário; estava no galho de uma árvore. O sr. Macedo ficou eufórico. E falou-lhe com ternura, pediu-lhe que o acompanhasse para continuarem a conversação, frisando, ‘naquele nosso mundo composto de um jardim e repuxo, varanda e gaiola branca e circular’.
— Que jardim? Que repuxo? - admirou-se o canário.
— O mundo, meu querido.
— Que mundo? Tu não perdes os maus costumes de professor. O mundo, concluiu solenemente, é um espaço infinito e azul, com o sol por cima.
Indignado, o sr. Macedo lembra-lhe que, se lhe desse crédito, o mundo era tudo; até já tinha sido uma loja de ferro-velho.
— De ferro-velho? Trilou o canário, às bandeiras despregadas, Mas alguma vez houve lojas de ferro-velho? (Assis:2010)
Para lá da graça literária do conto, caberia perguntar se este canário não teria, pistache a pistache, ingurgitado um tratado de semiótica, e dado conta da importância em perceber o lugar de onde se fala e de onde se ouve para o acto de investir no significado um sentido; pois é sabido como as coisas muitas vezes só ganham sentido depois de sabermos de donde elas partem, como acontece quando a mulher chama ao marido ‘meu carapauzinho’ e sabemos de imediato que eles não estão a falar da pesca.
Se quiséssemos ser graciosos podemos ainda perguntar, se não teria sido sob influência que Nietszche, coetâneo deste letrado canário, propagou a ideia de que devemos contrapor ao ideal do conhecimento e à miragem da verdade a importância da interpretação e da avaliação sucessiva para o esclarecimento da vida e da realidade. Mas cremos que o filósofo alemão não lia português. Contudo, para dar um exemplo da vantagem desta deriva da interpretação em relação a um anterior estatuto de verdade, exemplifiquemos com uma crença moçambicana: o mocho é considerado em Moçambique um bicho funesto e de todo talhado para o mal, a mesma ave que em Espanha é a imagem da felicidade e na Grécia a da sabedoria. Se um moçambicano conhecesse de antemão esta ambivalência simbólica para a ave deixaria de a temer e a verdade horrífica do mocho relativizava-se.
Uma certeza pode-se ter: esta fábula ensina que a nossa percepção do mundo depende do meio em que nos movemos e dos seus diferentes instrumentos de leitura e não concede qualquer valoração hierárquica às diferentes narrativas. A razão multicultural está aqui plenamente antecipada, quase um século antes de Charles Taylor e Michael Walzer esboçarem os primeiros borrões da sua obra.
Mas podemos remontar ainda mais atrás. No princípio do Renascimento, por alturas do século XV e XVI, cristalizava na Europa a ideia de que os negros se filiavam na linhagem de Cam. Lembremos que Cam foi o filho que troçou da nudez do pai, que estava embriagado, e que por isso Noé o amaldiçoou, mais à sua descendência. [1][2] Recordemos de passagem que segundo o poeta franco-uruguaio Julles Supervielle já o primeiro homem, Adão, se consolava da fidelidade forçada a Eva inventando o vinho. E Noé, homem de uma dupla solidão, tomou-lhe o gosto.
Certo, é que esta maldição mítica abriu um campo muito fértil aos defensores da inferioridade das populações negras, ideia que se manteve nos manuais religiosos até pelo menos ao século XX e que era igualmente divulgada nas escolas protestantes da África do Sul e em certas escolas fundamentalistas norte-americanas, durante a década de 60, no século XX. Mas no mesmo momento em que se decretava esta maldição sobre a raça negra escrevia o ensaista Montaigne, em 1500 e picos, com clarividência e no oposto dessa crença: «(…) cada um chama bárbaro ao que não está de acordo com os seus hábitos; e, na verdade, parece que não temos outro critério de verdade e de razão que o exemplo e o ideal das opiniões e usos do país onde estamos. É aí que sempre se acha a religião perfeita, o governo perfeito e a perfeita e acabada maneira de fazer as coisas.
São eles selvagens, tal como selvagens são por nós chamados os frutos que a natureza, produz por si quando, em boa verdade, são antes os frutos que artificialmente alterámos que devíamos apelidar de selvagens. Nos primeiros mantém-se vivas e vigorosas as verdadeiras, as mais úteis e naturais virtudes e propriedades que nos outros abastardámos, tão-só para os adaptar ao sabor do nosso gosto corrompido.» (Montagine:1998:134)
Mas, no germinar da cultura humanística, não é apenas em Montaigne que podemos encontrar esta conversão do olhar ao múltiplo, bem como um genuíno respeito do outro encarado como um ponto de vista alternativo e complementar sobre o mundo e os seus costumes. Um século depois, na esteira de Montaigne, que admirava, um insuspeito Descartes, escrevia este parágrafo em O Discurso do Método: «É bom saber alguma coisas dos costumes dos diversos povos, a fim de julgar mais rectamente os nossos, e para que não pensemos que tudo o que é contra as nossas modas é ridículo e contra a razão, assim como costumam fazer os que nada viram»(Descartes:           ).
Eis-nos, avant la lettre, numa plataforma que já afirma que todos os sistemas culturais são intrinsecamente iguais em valor e que os aspectos característicos de cada um têm de ser avaliados e explicados dentro do contexto do sistema em que aparecem; plataforma, desenhada por duas figuras centrais da cultura humanista. E contudo, a brasa não pegou durante séculos. E as culturas entreolharam-se com desdém e numa assimetria de dominação e subordinação crescentes.
Porquê? Talvez a resposta mais simples e directa seja esta:
Quando se divide o mundo entre nós e eles (os outros), essa classificação, ou esse processo de classificação torna-se central para a vida social. Porquê? Porque dividir e classificar significa hierarquizar.
Deter o privilégio de classificar significa também deter o privilégio de atribuir diferentes valores aos grupos assim classificados, de lhes fixar a identidade. (Da Silva, 83)
Por isso, os exploradores africanos do século XIX desunharam-se tanto em descobrir o que já era conhecido desde há muito, como a fonte do Nilo, por exemplo. Como ironiza Jorge Urrutia, bastaria a Speke ou a Burton chegar e perguntarem a um pastor, “viu por aí a fonte do Nilo?”, e o pastor havia de apontar-lhes a fonte de tal mistério, ou consultarem o mapa de Wilford que levavam consigo (Urrutia, 2001:111). Os exploradores preferiram perder-se, serem vítimas de intempéries, da malária, e até entrarem em conflito de interpretações, porque o fito, afinal, não era tanto «explorar o desconhecido, mas sim produzir primeiro um desconhecimento que, de seguida, justificasse a visão descobridora e a nova construção»  (Urrutia, 2001: 115).
E assim, é no plano da re-nomeação que avança o colonialismo, que começa a denegação do outro. Exercício de re-nomeação que teve o seu expoente nos anos 50 e 60 no Zambeze moçambicano, quando num acesso de jocosidade cruel os administradores coloniais portugueses baptizavam os filhos dos nativos com os nomes de Sabonete, ou Mosquito, ou Vinagre, como se comprova ainda hoje nas escolas moçambicanas. Quem detém o poder de nomear domina. O que se repercute na linguagem, a todos os níveis, pois o quer dizer, a expressão tão lida nos manuais de história contemporânea usados nas escolas secundárias: “Portugal deu a independência às suas colónias” senão o propósito de, através da retórica, camuflar, branquear a verdade, visto que a mesmo foi conquistada pelas armas?      
Outra resposta possível para o desdém entre culturas prende-se com um aspecto mais mesquinho: um limite antropológico que o filósofo Clément Rosset detectou no homem. No estudo A inobservância do real diz-nos o filósofo francês: «Se há uma faculdade humana que merece atenção e se assemelha ao prodígio é realmente essa aptidão, particular ao homem, de resistir a toda a informação exterior e quando esta não concorda com a ordem da expectativa e do desejo, de ignorá-la, se for preciso a seu bel-prazer; admitindo a possibilidade de se opor a ela, se a realidade insiste, numa recusa de percepção que interrompe toda a controvérsia e encerra o debate, naturalmente às custas do real. Esta faculdade de resistência à informação tem algo de fascinante e de mágico, nos limites do inacreditável e do sobrenatural: é impossível conceber como se utiliza o aparelho perceptivo para não ver, o ouvido para não ouvir. No entanto, essa faculdade, ou melhor, essa antifaculdade existe; ela é mesmo das mais banais e qualquer um pode fazer a sua observação quotidiana.(sublinhado meu)» (Rosset:1997).
Com este mesmo limite se confrontou Marco Pólo. O relato detalhado das suas viagens pelo oriente, incluindo a China, foi durante muito tempo uma das poucas fontes de informação sobre a Ásia no ocidente.
Como é sabido, ao serviço do rei mongol Kublai Khan, neto do poderoso Gengis Kham, Marco Pólo percorreu a Tartária, a China e a Indochina. Depois de chegar a Veneza em 1295, Marco Polo comandou uma força militar na guerra contra Génova, acabando por ser feito prisioneiro. Durante o cativeiro, ditou as suas aventuras de viagem a um prisioneiro, Rusticiano de Pisa, que foram traduzidas em latim, em 1315, pelo frei Francisco Pipino.
As suas crónicas e histórias povoaram imensamente os imaginários de vários povos e chamavam a atenção pela incrível riqueza de detalhes e emoção produzida em suas narrativas. “Nunca antes ou desde então”, diz um historiador, “um homem forneceu tão imensa quantidade de novos conhecimentos geográficos ao Ocidente”.
O que vulgarmente não se comenta, mas se assinala em qualquer edição crítica da obra, é que Marco Pólo teve de adulterar a sua narrativa – que almejava reproduzir o “real concreto” e tinha as “qualidades factuais” de uma reportagem (sobre lugares geográficos, costumes e comunidades) - e de enxertar na sua narrativa blocos retirados ou inspirados em narrativas de prodígios e alguns espécimes do bestiário fabuloso da época, de forma a dotar o seu relato de viagens com uma «ilusão referencial». Sem esse reforço de verosimilhança, o seu livro seria considerado como absolutamente infundado, uma conversa da treta como hoje se diria na televisão.
É esta sobreposição da crença sobre a observação, do fabuloso sobre o visível e o vivido que explica também que no século dezassete ainda fossem vulgares as cartas geográficas onde se assinalavam os seres que existiam a sul do equador: ciápodes, isto é humanos com um só pé gigante que, em deitando-se, usavam como guarda-sol, cinocéfalos, homens com cabeça de cão, blémias, que não tinham cabeça e tinham os olhos embutidos nos ombros, e um sem número de outros monstros.[3]
Com esta mesma incapacidade para se lidar com a realidade, ou com este complexo de Marco Pólo, se confrontaram recentemente gerações de sul-africanos que durante demasiados anos estiveram arredados dos programas de saúde contra a Sida porque o Presidente Mbeki, apesar de ser um académico reputado, não acreditava que a Sida fosse uma doença provocada por transmissão sexual e dizia que a pandemia era mais uma ficção dos boers para desacreditar a nova maioria no poder (Stephen Smith: 2004:39).   
O que interessa assinalar é a persistência com que a crença recobre a racionalidade e a observação.     
2
Lecciono na Universidade A Polictécnica, em Maputo, uma disciplina de culturas comparadas, onde procuro transmitir as diferentes concepções que as diversas culturas manifestam no seu relacionamento com o tempo, o espaço, a comunicação interpessoal,  os sonhos, a noção de pessoa ou a representação de si. Há cinco anos que dou esta disciplina.
Os alunos normalmente chegam absolutamente desinformados sobre tudo o que concerne ao Outro, seja à sua história, cultura, costumes; a tudo o que se passe fora das suas fronteiras étnicas ou não pertença à esfera da cultura juvenil maciçamente veiculada pelas televisões. Mas, sendo Moçambique um mosaico de culturas e etnias, onde o ronga convive no mesmo prédio com o indiano hindu, o chinês, o maconde, o paquistanês muçulmano e o branco católico, esse desconhecimento afigura-se mais grave, dado significar que o jovem não manifesta qualquer curiosidade em conhecer o seu próprio vizinho e as culturas diferentes que compõem o mosaico do seu próprio país.
Na primeira aula pergunto sempre aos alunos por que exibe o político Jacub Sibyndy, o líder da Oposição Positiva, um enorme turbante em todas as suas aparições públicas e, apesar de pelo menos metade da população ser muçulmana, nunca obtenho da outra metade uma resposta convincente sobre o significado simbólico do turbante. É um mundo à parte para eles, que não lhes toca.
Em sendo confrontados com as diferenças de comportamentos étnicos e culturais sobre as coisas mais corriqueiras do quotidiano, coisas quase irrelevantes mas que são marcadores culturais, como, por exemplo, o modo como as diversas etnias se relacionam com os cães, nunca um não-muçulmano sabe ou manifestou a curiosidade de entender as razões do outro para semelhante divergência de comportamento no trato com os cães. É um mundo à parte para eles, que não lhes toca.
Uma vez fiz uma entrevista ao já citado Sibyndy, publicada no semanário generalista Meia-Noite, em 2007, onde este político, desconcertantemente, me contou que fora gerado muitos anos depois da sua mãe ter tido a menopausa. O político, na ânsia de reivindicar para si o estatuto de um predestinado, tentava imprimir um cunho mítico ao seu nascimento, apropriando-se da história bíblica de Sara, de Jacob, que concebeu, por milagre, já muito depois da menopausa. Ainda perplexo pela coragem (o descaro?) do político em expor-se a um eventual ridículo, levei o jornal com a entrevista para a aula e li-lhes essa parte sobre a origem mítica do político. Tive de puxar por eles para obter reacções, a raros a coisa chocou e a maioria não repararia sequer no pormenor se eu não o tivesse assinalado.
Não é uma questão de carência de instrumentos de análise mas de uma diferente pontuação na sequência da interpretação dos acontecimentos[4], mais ligada a uma concentração lateral, que opera automaticamente a partir dum sistema da crença, mais do que pela via dedutiva da análise. Ou seja, face aos mesmos problemas eles metem o foco noutro lugar, dão relevo a distintas coisas.   
Há três semanas, numa aula às sete da manhã, ao pedir a um grupo de seis alunos que sumarizasse as qualidades requeridas para um Deus ser um Deus – ubiquidade, omnipotência, imortalidade, etc. –, julgando que eu lhes pedia um retrato de Deus, eles fixaram o seguinte retrato: Deus é louro, tem o cabelo comprido e olhos azuis. Não se levantou a mais ligeira ponta de controvérsia quanto ao retrato. Observei que, à partida me parecia uma manifestação muito colonial de Deus e aí instalou-se o debate sobre os regimes das imagens e o condicionamento subliminal das práticas ideológicas.   
Onde pretendo chegar ao contar estes pequenos episódios da minha prática como professor? Talvez ao que entrevi nas declarações de um jovem da Guiné-Bissau, estudante de línguas em Lisboa, para o programa Nós, da RTP/África. Dizia candidamente o estudante guineense, sobre o seu futuro: “quando acabar o curso vou finalmente regressar à minha terra, pois aí eu reconheço tudo…(sublinhado meu)”.  Este jovem está refém do que Daryush Shayegan diagnosticou para os povos que vivem no cruzamento entre a modernidade a tradição. Shayegan, um iraniano, escreveu um ensaio notável, Le Regard Mutilé, sobre o ensarilhamento dos países tradicionais face à modernidade, que nos ajudará a explicitar as contradições que estão implícitas ao comportamento do jovem guineense. Escreve o iraniano: «Nos conflitos de paradigma que opõem ainda nos nossos dias o Terceiro Mundo ao Ocidente, chegou-se a uma situação intermediária onde as duas epistemologias (dois padrões de cultura) se encontram e se desfiguram uma na outra. (…) Podemos viver assim um período de “atrasos epistemológicos”, nos quais os que sustentam uma “epistemologia arcaica” se enfrentam com os precursores de uma nova grelha conceptual do mundo (…) Nós podemos ter mesmo uma situação particular em que as duas epistemologias heterogéneas operam no interior de uma só e mesma pessoa, cegando, paralisando as suas faculdades críticas. (…) Caracterizando esta esquizofrenia epistemológica, presente nos intelectuais sul-americanos, Octávio Paz escrevia: ‘As ideias são as de hoje, as atitudes são as de ontem!’» (Shayegan: 1989: 100). Vacilando entre duas epistemologias, os cidadãos do Terceiro Mundo adquirem uma consciência «em atraso» sobre a ideia, ou seja, habituam-se a apropriar-se do conhecimento como se duma mera técnica se tratasse, sem aderirem ao seu substrato “metafísico” (i.é, ao modo de vida que lhe é inerente), como se as experiências não passassem por eles, não os transformassem. O jovem guineense nem sequer acredita na possibilidade de que em cinco anos talvez a sua terra esteja transformada ao ponto dele não poder reconhecer tudo. E esta heteronomia face à experiência, esta incapacidade para aceitar o agora, o empírico, e, diria o Clément Rosset, o que está simplesmente à frente dos olhos, talvez faça dele um estudante que não se imbrica; tanto que almeja voltar para a sua terra para fugir enfim da sensação de que algo lhe escapa na nova experiência, em terra alheia.
Ora, não há experiência sem precisamente essa margem de insegurança, de modo a que esse ponto cego desenvolva novas redes e novos desempenhos para a confiança.
Parece-me urgente, face a estes exemplos, explicar aos alunos que tendam a sobrepor à experiência o conforto da memória e o álibi da tradição que talvez o mais grato na vida não resida no facto de «descobrir a nossa identidade através desse visível que é a nossa história», exactamente porque, como explica Peter Pál Pelbart «a história não diz o que somos, mas aquilo de que estamos em vias de diferir.» Do que decorre, que diferimos dela «não para descobrir o que se é, mas para experimentar o que se pode ser (desprender-se de si, diria Foucault).» (Pelbart: 93: 102).
Parece-me urgente insinuar ainda que a «tarefa ética por excelência» do humano será talvez mais este desprender-se do que o apegamento aos valores de sempre.
Tanto o rapaz guineense citado acima como a maior parte dos meus alunos me fazem lembrar a história de Ernesto, uma jovem personagem de Marguerite Duras, que um dia fugiu de casa porque não queria estudar mais. Após uns dias de busca lá o acharam escondido no bosque contíguo à povoação onde vivia, e então a família, preocupada, perguntou-lhe: mas afinal porque não queres ir à escola, tendo o Ernesto respondido: Não quero ir à escola porque só me querem ensinar o que eu não sei!
Será um exagero falar da presença dum «síndrome Ernesto» para os povos que vivem a cavalo entre duas epistemologias? Para quem é professor em Moçambique, há fortes indícios.
Descortino duas causas principais. Primeiro a Local: Moçambique é um país que tem desleixado na ordem social e política aquilo a que o filósofo José Gil, em psicanálise ao imaginário português, chama a inscrição, o que significa: produzir real, produzir actos com consequência, que abram o real a outro real (transformado), o que é vital quer para o crescimento da responsabilidade social, quer para o reconhecimento e o incremento da memória social (GIL:2004:48).
Alguns exemplos:
- abrem-se para cima de duas dúzias de universidades em todo o território nacional mas só existem sete (más) livrarias em todo o país (para uma população de 20 milhões de habitantes), havendo imensas cidades com universidades mas sem um lugar onde os alunos possam comprar os livros curriculares (que aliás chegam a um preço exorbitante a Moçambique, apesar dos livros por lei estarem isentos de imposto alfandegário, por serem iludidas todas as fiscalizações sobre o comércio dos livros); concomitantemente, há dez anos que a mesma proposta ministerial para um Plano Nacional de Leitura corre entre consultores (para darem parecer), perpetuando-se o seu adiamento e dando-se assim sinais contraditórios aos estudantes;
- existe uma lei a favor da Regionalização e da Descentralização. Mas todos os dias são aprovados regulamentos na Assembleia a favor da Centralização[5].
Não pretendemos fazer análise política, mas seria absolutamente ingénuo julgar-se que a escola está olimpicamente alheada da realidade em que está inserida, quando esta mesma realidade dificulta o ensino da tolerância cultural e bloqueia a clarividência política nos movimentos educacionais de postura multicultural. A brasileira Teresinha Azerêdo Rios, uma teórica das questões pedagógicas, põe os pontos nos i ao defender: «a tarefa do professor, do educador competente, é estabelecer o diálogo do professor com o real» (Azerêdo Rios, 1993:70).
A minha prática como professor diz-me que só no interminável diálogo com o real (e o quotidiano) é que os conceitos se tornam pregnantes, entendidos. Ora, quando existem factores intra e extra-escolares que interferem e coagem a que não se fale do real…
Ademais, continua Teresinha Azerêdo Rios, ensino e liberdade andam forçosamente a par, posto que a liberdade não é um dado imediato, como crêem os teóricos dos direitos naturais, mas sim o resultado mais importante da educação. Quando se almeja um sistema onde só se pense o que esteja autorizado perdem-se as duas coisas: a liberdade e a possibilidade de um “saber que saiba”; o qual não dimana de uma mera percepção do real mas de uma percepção da percepção, uma operação de segundo grau que interioriza o saber no acto de o transformar - quando fomos nós o agente da transformação.
Mas vamos agora ao motivo Global para a «Síndroma Ernesto». Este prende-se com as características que Marc Augé atribuiu ao que chama «a sobremodernidade». A situação sobremoderna amplia e diversifica o movimento da modernidade: é signo de uma lógica de excesso, e o etnólogo francês elenca três tipos de excessos: o excesso de informação, o excesso de imagens e o excesso de individualismo.[6]
Este excesso de informação dá-nos a sensação de que a história se acelera ou que vivemos num eterno presente, no qual as distâncias foram definitivamente encurtadas. Como resultado, desta superabundância de informação cresce simetricamente a nossa capacidade de esquecer, a nossa vontade de esquecer, necessária sem dúvida para a nossa saúde e para evitar os efeitos de saturação que até os computadores conhecem. Mas creio que algo é sacrificado nesta tensão entre a saturação dos três excessos (informação, imagens, egoísmo) e a necessidade de esquecer, e que aqui perdem terreno tanto a urgência de aprender coisas novas (e aliás a net dá a sensação de ser uma biblioteca imemorial, que nunca deixará de estar à mão, se necessário) como a aceitação do diálogo com o Outro, um instrumento activo de novas e quiçá perigosas novidades, posto que o diálogo se dá quando o Outro interpela, mete em questão o nosso passado, e nessa operação actualiza a esfera da comunicação interpessoal.
Sempre que o passado se mostra inexpugnável, imune à experiência da interpelação, o tempo cristaliza e o diálogo é malogrado, obturado. Aqui, como no caso do aluno guineense a que nos referimos há pouco, o estudante é uma espécie de turista acidental, ávido na procura dos sinais de reconhecimento que o confirmem, o mesmo e o mesmo e o mesmo, e pouco participativo na construção de um saber partilhado com o diferente, a partir do qual ressoe a experiência de se transformar.        

3

Vou agora divulgar uns números assustadores, impressos num livro que já tem treze anos, do pedagogo americano Neil Postman. Diz ele: «Entre os três e os dezoito anos, o jovem americano médio verá cerca de 500 000 anúncios de televisão. Repito: 500 000 anúncios de televisão; o que significa que os anúncios televisivos são a principal fonte de valores a que são expostos os jovens». (Postman,     )
Face a esta carga de informação, que tem unicamente por fito a subordinação ao Deus Consumo e ao Deus da Utilidade, pergunto-me se a grande questão não estará em como persuadir o aluno de que o saber não é algo que se acumula (como os produtos publicitados que adquire) mas algo que se experimenta?
Só então, voltando ao esplendor desinteressado da experiência é que o aluno conhecerá a abertura que o potencia para o outro, para o encontro.
Parece-me claro que, se o ensino quiser ganhar uma efectiva face multicultural, terá de haver previamente uma discussão sobre os fins do ensino (serve para quê?) – que a discussão gire em torno dos fins e não apenas dos meios, dos métodos; ou seja, o ensino terá, como preconiza Postman, de voltar a ser acerca de como viver a nossa vida e não apenas um mero instrumento para safar a vida.
Se assim não for, o ensino multicultural nunca passará da exibição caricatural de Parques Temáticos, do tipo «Noites Dançantes na Cubata de Shaka», ou «Venha Provar Seis Maneiras de Fazer o Arroz com o Perigo Amarelo», e então a cultura do outro será sempre o álibi em que se molda um profundo relativismo moral, com as consequências funestas que isso acarreta. Uma das consequências visíveis de tal estado das coisas é o regresso ao tribalismo, como suposta fonte de identidade e de valores transcendentes.
Faz-se mais que nunca necessário, e este combate é crucial em Moçambique, onde a tentação para um clima de unanimidades impera, fazer que os alunos percebam que,
a) uma identidade é marcada por meio da diferença. A identidade não é o oposto da diferença: a identidade depende da diferença - só a compreensão disto os fará passar para lá da tolerância e interiorizar que a uniformização é inimiga da vitalidade e da criatividade;  
b) Que a identidade não é uma essência; não é um dado ou um facto – seja de natureza, seja de cultura, e não é fixa, estável, coerente, unificada, permanente, mas algo em contínua mutação; pelo que os valores do sangue ou da raça, não passam de metáforas, metáforas muitas vezes sangrentas porque em estreita conexão com o poder.
Sempre que me falam da essencialidade da tradição africana, eu lembro que hoje as capulanas são todas ‘made in Taiwan’. Sempre que me falam da “alma lusitana” eu bocejo e reparo que é alma que anda com “chiliques e turbulência” e que tem no Salazar, como provam eventos mediáticos recentes, o grão-Mestre da Confeitaria[7]. Anda com “chiliques e turbulências” porque abusa dos doces (ideológicos), em vez de abusar um bocadinho mais da Realidade.
Outro aspecto que me parece inescapável para que a Multiculturalidade não seja uma farsa é começar por aceitar que mesmo dentro de cada tradição existem diferentes níveis da realidade, diferentes níveis de percepção e graus de sensibilidade cultural.
A televisão e a hegemonia de uma política de mercado implantaram a ideia de que somos todos iguais, é o regime da ‘«generalidade» galvanizado pela política da decapitação única.
Não somos iguais, às vezes, dentro do mesmo espaço cultural há mais diferenças entre dois homens do que entre nós e um crocodilo. Quem compra os discos do cantor Tony Carreira, nunca se disporá a desfrutar uma página da poesia de Herberto Helder, cuja inteligibilidade exige o mesmo “esforço” que uma sinfonia de Messiaen, e um tipo de atenção de maior densidade e espectro. Explica Roger Pouivet: «As obras de arte de massas dirigem-se assim ao comum denominador dos seres que não partilham uma cultura, no sentido humanista, não falam as mesmas línguas, não vivem da mesma maneira. Madonna, os Rolling Stones, U2, mas também Matrix ou o Silêncio dos Inocentes, romance ou filme, interessam todos os seres humanos, dos mais jovens aos méis velhos. São obras que se dirigem ao mais pequeno denominador comum não cultural (in COMETTI:2007:19)» Ou seja, contra a ilusão do «genérico» que o mercado instalou é preciso voltar sem complexos a uma grelha de valores firmes e dialogar com outros níveis de sensibilidade sem temer explicar que há estratos diferentes de compreensão, de inteligibilidade, e de percepção da realidade, que o “difícil” para uns é um “índice de prazer” para outros; que, por exemplo, há obras com finalidades cognitivas, morais, espirituais e que para além disso nos distraem, enquanto outras tem por exclusiva finalidade distrair-nos, ou obter um efeito físico, etc.
Devemos ser todos iguais nas oportunidades oferecidas para o desenvolvimento, mas somos irremediavelmente diferentes à chegada, onde exibimos densidades diferentes. Entre os Dogons, do Mali, a palavra é «fecundadora» e, concomitantemente, há dois pares de vinte e quatro níveis de significação diferentes para a comunicação pela palavra; sendo que cada nível de compreensão depende do grau de iniciação do receptor. (Calame-Griaule, 2002: 31). Quando se chega ao último grau, a frase que parece absolutamente trivial para um, sustém para outro uma explicação do mundo. Mas nós, os da cultura de massas, inventámos um sistema regido pelo mito não só falso como desonesto de que partimos todos de uma base comum, de uma leitura genérica, o que já foi suficientemente desmontado há mais de 20 anos pelos teóricos associados a Palo Alto.
E previna-se, esta grelha de valores deve funcionar no interior de cada tradição, não se trata por isso de estabelecer uma hierarquia entre as tradições, dado que há equivalências, por exemplo: as microtonalidades e a complexidade de uma banda de timbilas não é inferior à complexidade de muita música erudita contemporânea.
Outra das razões para recuperar e afinar a grelha dos valores prende-se a uma das exigências apontadas pelo pedagogo López Quintas para que se efectue um encontro. Um encontro, diz aquele, não é uma mera proximidade, um encontro exige a compartilha de valores elevados: «Vejam só, quando você e eu nos dirigimos rumo a algo valioso, unimo-nos entre nós. Para unir-se, o mais importante é fazer o bem em comum, compartilhar algo. Dizia Saint-Exupéry, o autor d’O Pequeno Príncipe, numa outra obra, Terra dos Homens: amar-se não é olhar um para o outro; é olhar juntos na mesma direcção. E eu comento, amar não é tanto um olhar para o outro – pelo prazer de olhar a pessoa amada – mas sim consagrar-se a algo valioso. Quando uma pessoa e outra realizam em comum algo valioso, isto as une muitíssimo” (Quintas:        ). 
Eu tenho a inocência de acreditar nisto, de que só há encontro quando o que motiva o encontro é transpessoal, isto é, excede a soma dos caracteres psicológicos em presença. É como uma equipa de futebol que funciona tanto melhor quanto vale mais que a soma dos seus elementos individuais. Shakespeare transcende-me, pode levar-me a anos de diálogo apaixonado, já discutir O Código da Vinci esgota-se numa tarde.
Terminava falando de como a escola pode promover ainda no jovem a distinção entre o sistema dos objectos e a condição do âmbito, conceito teorizada por Lopes Quintas, e crucial para a compreensão do relacionamento interpessoal e o espaço do encontro inerente à criatividade.
Um jovem começa por ser ele e a sua rede de relações mas, à medida que a vida adulta lhe funcionaliza o quotidiano, vai sendo empurrado para o sistema dos objectos, isto é passa a encarar as realidades que lhe aparecem como coisas, que podem ser analisadas por ele sem se comprometer – as coisas tornam-se realidades objectivas.
Antes, ele não estava fora da realidade, a realidade era uma banheira onde ele mergulhava e via a água a subir, estava comprometido, estava imbricado na relação com a água e com os outros. Estavam em simbiose, ele e a realidade, não estavam separados. Agora, já adulto, existe um sujeito e um objecto – tornarmo-nos adultos é esta farsa de deixarmos de mergulhar na banheira para comprarmos uma piscina que passamos a observar de fora porque sabemos que quando mergulhamos nela já não damos pela subida da água.  
O âmbito é o que torna reversível esta situação. «Pense-se num piano. Como móvel não passa de um objecto. Mas como instrumento, que tipo de realidade apresenta? É uma fonte de possibilidades. Ali ninguém manda em ninguém – não há um sujeito e um objecto – mas o piano dá a possibilidade para criar uma obra e o intérprete dá ao piano a possibilidade de que essa obra seja – é um enriquecimento mútuo. É uma experiência com uma dupla direcção, e o piano deixa de ser um objecto para ser um âmbito» (Quintas…).
O Picasso teve a mesma experiência quando viu por acaso um selim de bicicleta ao lado de um guiador tresmalhado e percebeu que aquele encontro inesperado desenhava a cabeça de um touro. Com isso fez uma nova escultura, mas a transformação foi mútua pois esse encontro modificou o seu olhar.
No plano das relações interpessoais, um âmbito é tudo o que cria um nó de relações que nos transforma, pois passamos a sermos participes criativos daquela realidade e não sujeitos passivos de um discurso ou de um procedimento mudado em lei. Evidentemente que a poesia e a arte são os territórios privilegiados para este jogo da reversibilidades que o âmbito abre, pois como dizia o poeta brasileira Mário Quintana a poesia não é uma fuga da realidade mas uma fuga para a realidade.  
Só esta fuga “para a realidade” permite aos olhos, para lembrar a citação de Clément Rosset, verem e aos ouvidos ouvirem, e ao nariz cheirar, and so on, enriquecendo-nos com o múltiplo, com o que está em processo à nossa frente. Talvez aqui convenha, como avisa Tadeu da Silva, nunca esquecer que a multiplicidade é uma máquina de produzir diferenças, ao contrário da diversidade que é estática e limita-se ao existente (Da Silva     ).  Com a diversidade temos a tolerância; com o múltiplo o entusiasmo, o contágio, a mestiçagem - o nosso compromisso no processo. Será uma forma de nos vincularmos às (boas) virtualidades do futuro.





   




[1]
[2] Cf. o texto “Heranças de Cam:
[3] Para as deliciosas narrativas dos encontros dos europeus com os monstros e criaturas fabulosas de outras paragens, consultar Mary Del Prior, Esquecidos por Deus / Monstros no Mundo Europeu e Íbero- Americano (séculos XVI-XVIII), 2000, Companhia das Letras, São Paulo
[4] cf. quanto a este aspecto da importância da pontuação da sequência na comunicação interpessoal[4], Paul Watzlawicz e alt.,1967, e para as culturas, Immanuel Wallerstein, Análises de Sistemas Mundos
[5] cf.para este problema: As Tendências da Reconcentração e Recentralização do Poder Administrativo em Moçambique, de Eduardo Chiziane, Kapicua, 2011
[6] Para uma análise deste conceito, dos seus efeitos e aspectos concomitantes consultar Marc Augé: Non-lieux. Introduction á une anthropologie de la surmodenité, Edition de Seuil, 1992, Pour une Anthropologie des Mondes Contemporais, Aubier, 1994; La Guerre des rêves: exercices d’ethno-fiction, Éditions du Seuil, 1997

[7] António de Oliveira Salazar, o ditador português que governou o país cerca de 40 anos, foi, nos últimos três anos, considerado o «português mais ilustre do século XX», primeiro num inquérito promovido pelo semanário Expresso, o maior do país, e recentemente numa sondagem que tinha o mesmo fito, “achar” o “português do século” na RTP, a estação de televisão do Estado. 

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