Em
1012 o Diogo Vaz Pinto e a Inês Dias dirigiram-me uma série de perguntas sobre “poesia
e crítica” – perdi o enunciado que me enviaram – para um volume que incidiria
precisamente sobre a relação entre esses dois patamares do universo da escrita,
mas cuja publicação se gorou. Aqui ficam as minhas respostas.
1
Eu apareci cedo mas amadureci
tarde, o que condicionou o modo como fui lido.
Fui para muitos um “champignon de route” do Al Berto, editado
por ele em 79, e quando publiquei o meu primeiro livro “sério”, em 97, o Al
Berto tinha morrido.
Pelo meio, andei pelos jornais,
assisti a muitas mudanças, e já toda
a gente estava farta do meu nome quando me
meti verdadeiramente à estrada.
Daí suspeitar que poucos
conhecem realmente o que escrevi. Acresça-se a isto o facto da maioria dos meus livros serem literalmente
invisíveis (tenho que ir à bruxa).
Antes de 97 não conheci
qualquer “fortunata crítica” e era justo. Mas tinha feito amigos: a Maria Velho
da Costa, com quem escrevi vários filmes, o Herberto Helder, o António Barahona,
o Grabato Dias, o Fernando Assis Pacheco, o Hélder Moura Pereira (eu andei
sempre com os mais velhos), o Virgílio Martinho, entre outros.
O eco deles fez-me insistir
na minha «poesia esquisita» (FPA). Só tinha que robustecer. Engordei então 20
quilos e passei a ter uma voz pletórica como a do Orson Welles (brinco).
Quando o António
Guerreiro, a Maria João Cantinho, o João Barrento, o Urbano Tavares Rodrigues, o
Eduardo Prado Coelho, escreveram sobre mim aí eu já tinha encetado o meu erro, pelo que não tiveram
qualquer influência.
2
Só um best-seller pode
mensurar os seus efeitos. Além disso vivo fora, literalmente, e nunca estive
ligado a grupos ou ao empenho de gerações. O meu percurso tem sido solitário e dividido
as opiniões, e já é tarde para me preocupar com isso. Aliás, neste momento há
quem goste mais de mim como prosador do que como poeta. Why not?
3
Andei sempre levemente
desconectado. Porque só acredito em coisas decantadas. Mas, a partir de 2005 e
do livro Piripiri Suite, escrito já
em Moçambique, sob o choque de uma erosão sobre homens, paisagens e ideias,
como nunca imaginara existir, algo me
roeu o luxo das metáforas, e tornou-me mais descritivo, aproximando-me de um
certo modo mais próximo ao da geração de 90.
Mas continuo a pensar
que preferia ter sido Michaux ou Ted Hughes a Phillip Larkin.
Neste momento, os
poetas a que dedico a minha atenção integral são dois indianos: Lokenath
Bhattacharya e Sujata Bhatt, um marroquino Abdelatif Laâbi, e um belga
flamengo, Hugo Claus.
E acho que, no Brasil,
se está a publicar excelente poesia na net. Já deram conta de Maira Parula?
4
Comentar a poesia exige um despojamento descoroçoador. É mais fácil arranjar
uma grelha de conceitos e dois ou três tutores, que configurem uma
sensibilidade, e, em nome de uma pertinência auto-legitimadora, aplicá-la. Fica
meia costeleta fora do prato, nesta técnica de Procrustes, e nota-se um tal cuidado
em «não caluniar as aparências» que fica por responder a questão central, a que
Sócrates coloca a Fedro: se a verdade viesse de um carvalho, de uma pedra, nós
aceitávamo-la?
Terá a poesia pouco a
ver com a questão da verdade? Talvez, mas, paradoxalmente, não pode deixar de
atender a esta pergunta.
Penso que, na “demanda”
crítica, renunciamos demais aos acontecimentos e às singularidades em nome dos
afectos, do conforto, da chantagem da “camaradagem”. Raras vezes a crítica não
confirma a derrota do humano. Portanto, sim, a crítica é parcial, tendenciosa,
protege uns em detrimento de outros por razões que não se prendem à qualidade
do texto e, sendo difícil exigir que não seja assim – pois, perguntava
Shakespeare, podem com sangue ser os
homens diferentes? -, convém que alguma lucidez vá periodicamente
corrigindo a mão.
5
O último serviço de
pombos-correios que existia no mundo fechou as portas em 2001, na região de
Orissa, na Índia. Não sei se ganhámos, se não fomos amputados de um certo tipo
de imaginário. O mesmo se coloca com a música, gostar só de música pop, ou
rock, e não ouvir música clássica ou erudita, não é uma mera questão de gosto
mas de amputação de amplitudes na sensibilidade musical. Nas edições, neste
momento, como em tudo, tende-se para a estereotipia – não é só a rejeição da
poesia mas também a de um determinado tipo de prosa que se verifica. Hoje o
Rabelais, o Sterne ou o Machado de Assis não teriam editores, são
excessivamente digressivos e tanto vocabulário ofende a paciência do “leitor
médio”. Cabe-nos reagir.
6
Estamos submersos numa
saturada permuta com “o real” e algum excesso de cinismo e de conformismo
recheou de “aporias” o poema. Do que pode resultar que “o grau de realidade”
poética se meça pelo grau de trivialidade, de tédio, e vice-versa.
Nestes moldes a poesia servirá
pouco o agir humano.
À melancolia, por
exemplo, há ainda quem a aguente?
Tão sedutor como
improfícuo, o lado de grande bazófia desconstrutora em Wittgenstein que
contaminou tudo.
E vale ainda a poesia? Enquanto
for capaz de trazer novas inquirições julgo que terá um papel social
inigualável pois a poesia para mim é como a fotografia para o Bazin: algo que terá
talvez mais a ver com o mundo mineral do que com a cultura humana. E aquilo que
assim nos interpela nunca se despede.
És um amor. Grande beijo e obrigada pela força.
ResponderEliminarMeu caro amigo, em vez de 'o facto da maioria dos meus livros serem literalmente invisíveis (tenho que ir à bruxa)' deveria ler-se 'o facto DE A maioria dos meus livros SER literalmente INVISÍVEL (tenho DE ir à bruxa)'.
ResponderEliminarTanto palavreado de pedante e dá erros destes?