roberto matta |
Os
aborígenes australianos cantam o seu território para o trazer à existência,
para o actualizar.
Isto é
espantoso, mas é menos incomum do que se pensa. Os deuses gregos, por exemplo,
precisavam da certificação humana para garantirem o equilíbrio cósmico. Em faltando a libação, o rito, a celebração, reiterada com o ritmo de um metrônomo, eles ficavam irados, entre outros motivos por temerem uma perda de
energia.
Só em se
actualizando a dependência dos homens ao trato com os deuses ficava o mundo coerente, abobadado; era através do seu culto que se emprestava ao mundo a sua sintaxe e
o ritmo. Daí que, à mínima falta, os deuses, como castigo, abrissem buracos no ozono.
O
significado original de “hybris” prendia-se em primeiro lugar com a desmedida e
depois com o receio de que essa perda de qualquer sentido de proporcionalidade,
corolariamente, arrastasse consigo uma natural oscilação no trânsito da reciprocidade.
O imperador Xerxes quando manda açoitar o mar está já neste estado delirante de
um crónico desequilibro do sentido da mutualidade.
Está
“doudo”, diziam os gregos.
Também em
África, na sua feição tradicional, ainda hoje é assim, e muitas doenças são
encaradas como protestos dos espíritos a quem não se fez o devido tributo,
sendo necessário voltar a uma regulação das relações mútuas entre a comunidade
e os seus antepassados, a um equilíbrio.
Equilíbrio
que, no meu entender, será o mesmo que Martin Buber evoca ao escrever: «Não conheço outra
revelação para além da do encontro do divino e do humano, no que o humano
colabora com a mesma medida do divino. O divino aparenta-se a um fogo que
derrete o mineral humano. Mas o que resulta daí não é algo que estivesse na
natureza do fogo.»
Portanto, acrescentamos,
esta relação com o divino devolve ao homem a sua dignidade, o seu lugar na
equação como agente de mudança. Deus é o incognoscível que se desconhece a si
mesmo e o homem, no seu despertar, para uma vida em re-ligação, actua como o
operador da anamnese de Deus.
Esta
parece-me ser um relação frutuosa e saudável com a dimensão do divino. Deus
pode ser o equivalente ao nosso território, mas nós temos de o cantar.
Muito
diferente esta relação com o sagrado daquela que é comungada pelos radicais
islâmicos, duma verticalidade que não admite senão a obediência ou a paradoxal
recompensa (70 virgens no Paraíso) pelo Mal feito.
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