Se em 180 páginas de sonetos não houvesse, para além da marmelada, uma pitada de humor a atenuar tanta meditação sombria, o pataco de um lirismo de malha caída, não sei que vos diga.
o poema relaxa,
como o guarda na guarita
que vê a manhã dourar
lama, folhas, os estalidos
que lhe amotinavam
a noite. Aceita
então de bom grado
um cálice, algo
que o distraia da missão
cumprida. O ventre
descai, engasta-se
no débito da rola:
rô rô rô Rõ (é fêmea…)
Mas aqui vos deixo outros ladrilhos, e vejam lá que a meio até tem blandícias:
Outros vinham bêbados,
A volúpia de poder ser
π
(…) A palavra
conspícua que desabotoou
a mini-saia à rapariga num lavabo
do estádio, perdia o Benfica por 3-1,
para que um sáurio desaustinado
lhe arrancasse do sexo a saxífraga.
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Topas a romena? É tramada, mas ,
(…) Nem a faxina
π
Lês: «Beijo-a. Aqui
não seria fortuito um eclipse».
E chega dos fundos, na longa avenida
de acácias em sangue,
a buzina de uma ambulância.
(…)
Na lágrima da viúva via-se um velho cisne
que tossicava muito. Ela escamava à bancada,
enganchando a unha na guelra. Lembranças de miúdo,
ainda a alegria trotava no seu pequeno porte exangue.
A quem seguir quando «a cidade é um poço inumerável?»
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Um dia, num semáforo, bati
porque ruminava distraído num verso
da Primavera Autónoma das Estradas.
(…)
Um dia ofereceram-me um bonsai
que me lembrava o Mário à procura de
ventoinha nos armazéns do Grandela.
Um dia escrevi o Mário é imortal como todas
as Marias que calam o trilo de São
Francisco de Assis no corpo do seu soldado.
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Ter um corpo e não lhe sentir
o cansaço: uma pretensão que avilta.
igual só a literatura armada
em piscina de condomínio privado.
O cristal cala o calafrio ou afia-o,
dúvidas de neófito à entrada
do Museu Gongora. Contudo, é
improvável morrer-se na fonte onde
se nasce. O "em-si" atrai muito pó,
já viste crica empoeirada?
Num sonho a sombra de Cristo
(…)
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Desta altura da minha vida – um sétimo andar
sem elevador – vejo a minha adolescência a pular
na mesa alemã e enxergo o modo doméstico
com que me fui estatelando ao comprido.
Vem isto de longe, em várias frentes e lugares
(…)
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conduz-me ao muro
AUTO-RETRATO NO COMBOiO PARA RESSANO GARCiA
Que homem tão original, pensava a menina
que me enchia de macacos o cabelo,
mucos tenros extraídos das narinas
que a obstipavam (palavra tão bonita!). A mãe
não via, a mãe era um caso de cegueira e paciência,
o contrário da petiz que, para regozijo
dos poetas, compensava em ranho verde
a friagem do mundo. Ai o (cobrador!), corou
(…)
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Esgarça-se a nuvem, é uma questão
de sintaxe, sem esta
há lá emoção duradoura!,
nem seria a cerejeira reminiscência
nas costas da cama que te ouve
em blandícias.
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Ir de cana, pintar o sete,
erguer em palafita sobre delgadas patas
de aranha o tabuleiro do medo
ou ir-lhe à rata abocanhar o queijo grié
– propósitos que esculpem uma vida
na sua jaula. Há quem prefira o comedimento
ser rato de biblioteca ou a convalescença
da ternura no passo da devastação,
a jaula é a mesma. O pão sonha
ser intratável farinha
ao vento. Deseja ter um prego
imaginário espetado na cabeça.
Que quando se olhe ao espelho
só se veja o prego.
A foto é do atelier do Bacon, um tanto parecido com o meu escritório e foi uma das imagens hipotéticas para a capa, hipótese que a editora (influenciada pela minha mulher, tenho a certeza)
rejeitou.
rejeitou
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