Uma vez em casa do poeta
Joaquim Manuel Magalhães vi-o riscar com sanha uma palavra que a editora havia
impresso ao fim da página de rosto do seu belo livro Segredos, Sebes, Aluviões, enquanto vociferava contra a impertinência
da “sentença” intrusa. A palavra era “impermanência”.
Bom, o Joaquim era então um pequeno deus e eu um candidato a oficiante, teria
ele menos dez anos do que os que conto nesta altura. Já na juvenília da veterania
autorizo-me a pensar que, mesmo nos melhores de nós, além da soberba há vezes
em que também nos sobra a imprudência.
Lembrei-me desta história
depois de ter escrito o poema que se segue, no intervalo de uma dessas pesadas
tarefas que impõem uma mudança de casa. Resolvi descansar uma hora e levei para
o café uma antologia do Milosz. Foi no confronto com este magnífico polaco que se verteu o poema:
«IMPERMANÊNCIA
As estrelas exumam a luz
do fundo do seu próprio
abismo.
Pestanejam e salta o
tigre.
É infindável o núcleo das
estrelas,
vive na ponta dos seus
raios,
na transparência com que
o felino
trespassa as suas presas,
alumbrando-lhes a carne e
os ossos
- como a palavra, sentada
num grão de pó, lhes
parece
agora saturada! A energia
que as estrelas despendem
neste esforço é a mesma
que late
no teu coração, amor, e
insuficiente
é o nosso fôlego para
retê-lo.
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