josé craveirinha e noémia de sousa
Vasculhando documentos antigos descobri este conto, em que o poeta Craveirinha é um "figurante especial". Como me diverti ao relê-lo aqui fica:
À memória do meu pai, tão diferente
deste e tão igual
Perguntas-me por coisas que não gostaria de ter assistido,
nestes meus oitenta anos de vida? Assim de repente… Coisas imperdoáveis, enxutas,
de que me absteria de ver? Olha, o rosto repuxado da Sophia Loren, a
gargantilha que não lhe disfarça as operações plásticas, mais que os nós nas
pranchas do soalho. Nem eu nem ela merecíamos isso. Mas não há modo de escaparmos
às ratoeiras do tempo. Havia um padre na minha meninice que dizia: roedor que
foge a fiado nunca erguerá o focinho rasteiro. Sacana do padre tinha razão.
Nisso, e em ter encavado a mulher do notário, tão gira que dava dó vê-la
ruminar sozinha os folguedos de sábado. O marido abalava para a caça todas as
madrugadas de sábado e via-se que ela era contra, era contra as matanças, ainda
nem se falava em vegetarianos mas ela já comungava, aquilo tinha nascido
convictamente para o amor. E esse padre que era novo e muito inspirado no
Vaticano III foi sensível à causa dela… não rias, que o caso foi sério e deu
prisão e tudo. Olha, um avião a jacto - sempre me impressionaram. Sabes por
quê? Partem o céu em dois.
Mas continuemos lá este teu inquérito, que raio de ideia a
tua! A primeira palavra, a primeira palavra, assim que me lembre… Primeiro
deixa que te lembre que há coincidências danadas, ou que é difícil saber onde
está a causa e o efeito, como quiseres. A primeira palavra que fui consultar ao
dicionário, era miúdo, devia ter uns oito anos… o meu pai não tinha eira nem
beira mas fazia questão em que falássemos bem, que parecêssemos uns senhoritos
a falar. E então apresentava-nos aos amigos e gabava: reparem como ele palra!
Nunca dizia ‘falava’, tratava-nos como se fôssemos periquitos. E como escrevia
letras para fados tinha comprado um dicionário que manuseava de frente para trás
num grande aparato; voejando pela casa de copo de vinho numa mão e dicionário
na outra, à cata de rimas. Foi a única coisa em que foi capaz de trabalhar, o
resto era um estroina e estoirava tudo na pândega e na lotaria. Uma vez
partiram-lhe quatro dentes por causa de uma dívida de jogo. E lançaram-no à
porta feito num oito, enquanto me recomendavam, fui eu que abri a porta, hás-de
procurar para o teu pai o significado da palavra «sarilhos»... Mas dizia-te que
a primeira palavra que consultei no dicionário foi o verbo lobrigar, foi o
escolho que me pegou de estaca no primeiro parágrafo de um livro do Camilo que
o meu pai achara no lixo e me dera, e ele não me quis dizer o significado da
palavra, miúdo, tens um dicionário, privilégio de que noventa e nove por cento
dos pobres não se pode gabar e por isso usa-o. E lá fui ver. Mas o esquisito é
isto: a primeira coisa que me lembro de ter visto na vida, a primeira imagem
que me vem à mente foi ter, repara nisto, lobrigado uma lombriga a contorcer-se
no sifão da sanita. Que idade teria eu? Ainda usaria fralda, que nessa altura eram
de pano encardido pelas fezes de uma horda inteira. Só lá em casa eramos cinco
irmãos, eu fui o mais novo; estás a ver o que aquele tecido aguentou até chegar
a mim. Mas podia lembrar-me da minha mãe, da tua avó que era a doçura em
pessoa, sei lá. Uma lombriga muito branca, numa água tão encardida como a
fralda. E sabes qual foi o meu primeiro pesadelo? E ainda há quem diga que as
palavras não passam de moedas gastas! Olha, no pesadelo, eu ia à farmácia.
Explicava o caso, a enfermeira dava-me os sais para a purga e no fim eu
agradecia: “lobrigado!”. Acordava horrorizado, com a partícula da lombriga a
infectar a palavra obrigado, claro que na altura não o saberia definir deste
modo.
Que maçador, filho! Pensava que no outro dia já tinhas
acabado o teu inquérito. Andas a fazer esse inquérito a quantas pessoas? Bom,
atira lá. Expressões populares, deixa lá ver, frases que se tornam refrões…
Espera, uma das expressões populares que mais me intrigaram desde miúdo é a
mania dos mais velhos a dizerem: «tenho um dedo que adivinha!». A minha avó
tinha um dedo que adivinhava, a minha mãe tinha um dedo que adivinha, a minha
tia freira tinha um dedo que adivinha, o meu avô paterno com o seu dedo que
adivinha perdeu a fortuna do pai na roleta, em Espinho, todos eles com um
destino de tripa forra… Só eu e o meu pai parecíamos ter perdido o dom, nalgum
entalanço. A tua avó, por exemplo, recebeu como missão na vida arear a lua.
Pelo menos era o que parecia, com a cabeça sempre perdida algures, alheia a
tudo; às vezes com um zelo que roçava a indiferença, como se estivesse numa
perpétua e incómoda órbita menstrual. Uma vez esqueceu-se de um de nós numa
loja de móveis da Almirante Reis. Perdeu uma irmã no tremor de terra de 67,
caiu-lhe uma chaminé em cima, perdeu um filho na guerra, mas nos poucos
momentos de contacto, e com ela nunca houve momentos de vacas gordas,
aturdia-nos com a sua inexplicável certeza de que não servia de nada esconder-lhe
nada visto ter «um dedo que adivinhava». Penso que morreu iludida, julgando que
lhe faltavam uns anos de pragas e que a sua adivinhação era uma espécie de teta
que doparia, de antemão, qualquer lobo. Às vezes julgo que o que falta às
pessoas é comprometerem-se de facto com as palavras, o compromisso, por isso
dizem qualquer coisa agora e o contrário no momento seguinte; sem pensarem
muito nisso, como agora se diz. Como se uma macieira pudesse dar cerejas – é
esta na verdade a ideia que as pessoas agora têm das palavras, e não creio que
haja grande futuro quando as palavras se começam a mentir a si próprias.
Deus? Pões-me cada questão. Eu fiz parte de uma geração
laica. Missas e padres nunca me passaram pelo estreito. Se calhar porque o meu
pai era um republicano ferrenho, educado com o Pátria Minha, do Guerra Junqueiro. Portanto, nunca senti a
necessidade de me interrogar acerca de Deus, esses assados. Lembro-me só, em
miúdo, de uma vez ter vindo a Lisboa e ficar espantado pela quantidade de
carros que circulavam em torno da Praça do Comércio, alguns já estacionados,
enfim, ainda não era a vergonha (a que o Sena se viria a referir) de se ter
transformado aquela praça numa filial da General Motors, mas já havia uns
carros estacionados na placa central, e eu ia com a minha mãe, ia mostrar-me o
Cais das Colunas. Ela carregava um saco de laranjas acabadas de comprar numa
mercearia da rua do Arsenal, e o saco rompeu-se… As laranjas rolaram para
debaixo dos carros. E então lembro-me distintamente de me ter vindo à cabeça: as
laranjas procuram debaixo dos carros as iniciais de Deus… Assim exactamente,
‘as iniciais de Deus’. Devia ter uns doze anos. Uma coisa estranha, não sei
donde aquilo irrompeu. Mas, assim como veio, foi-se: nunca mais fui assaltado
por inquietações desse tipo. Intrigante, a associação que eu fiz, se calhar
devia ter ido para poeta…
Não filho, nunca escrevi nada. Ou minto-te. Publiquei dois
poemas no Notícias da Amadora, um jornal da oposição que não resistiu ao
25 de Abril e onde às vezes fazia uns biscates como tipógrafo. Queres que te mostre?
Sei lá, filho, mandei isso fora. Mas lembro-me, memória tenho eu. O primeiro
era só isto: «carta do marceneiro à árvore:/ chove que se farta!», foi um
fartote, fartaram-se de rir e de me dar palmadinhas nas costas. E então,
animado, publiquei um segundo: «Roída a unha/ De Deus/ Até ao sabugo// Delicia-se
agora/ Com os epigramas/ De Catulo://Com a glande/ Rubra a locupletar-se/ Nos
líquidos/ Fantasmas/ Da virtude.» O jornal foi à censura e foi um forrobodó,
até levei reprimenda do director, porque, defendia ele, já nos chega as
chatices com a censura pelas coisas devidas, as farpas com que visamos a
política destes cabrões, não precisamos de poemas eróticos. Acabou ali a mesma
carreira poética. Um dia ainda comecei uma história. Escrevi: «o planeta que
tinha três rosas como satélites». Mas nunca soube como continuar. É a minha arca
furada. Franzidos largos na manga do verso. Porque não escrevi mais e não
publiquei? Sei lá, a vida troca-nos as voltas, eu era operário. Tipógrafo, é
certo, que já foi uma classe ilustrada. Fartei-me de compor livros na caixa de
chumbo, a caixa negra, olha, livros do Abelaira por exemplo e do Carlos de
Oliveira, e ao compor letra a letra aqueles livros, juntando as frases de
chumbo, eu ia-me apoderando da propriedade, do valor de cada palavra. Havia
inevitavelmente muito de físico no modo como fazíamos os livros e o suor e as
letras se geminavam. Eu acho que isso nos tornava diferentes. Agora não,
recebe-se o texto em disquete e vai directamente para o gráfico, perdeu-se
muito nisso, e até o peso que cada palavra deve ter. Talvez por isso, não
voltei a tentar… Não adivinhas? Sempre que leio um mau livro penso nos palitos
que ficaram por fazer… É bom rir, mas é triste rirmos tanto com o mau.
Tu queres mesmo continuar com isto? Já me deste cabo do
uísque, acho que este inquérito é só um pretexto. Bom, tenho ali um rabinho de
Jameson, vou buscar e vai espreitando este caderno velho. Cá estou, este resto
de Jameson está na garrafeira há anos, é quase um fóssil. Já veio de
Moçambique, vê lá, eras tu miúdo. Foi no princípio dos anos sessenta. Era
tipógrafo no Notícias de Lourenço Marques – eu e a tua mãe vivemos lá
cinco anos – e às vezes saía com um jovem mulato, um tipo habilidoso que
rapidamente se revelaria um poeta de craveira, o Zé Craveirinha. Um ladino,
gingão, reinadio, e com olhos de foca
matreira. Todo ele era verbo. Uma vez brincava com ele e disse-lhe, ó Zé, tu és
um pardo de palavra lustrosa, e ele que nunca se ficava sem resposta: e que é
um homem senão um pargo que deseja ir a Paris - a sumptuosa? Naquela altura,
naquela altura… bom, naquela altura da vida o que era importante eram as
miúdas, o sexo governava as nossas conversas em voz alta, que quando
sussurrávamos falávamos de política, de África que se sublevava. O Craveirinha
já era casado, como eu, mas era um doidivanas com as mulheres, galante, de
humor sempre engatilhado, e elas alinhavam. Naquela altura havia um grupo de
teatro que quis fazer o Romeu e Julieta, eu acabei por lhes fazer o programa do
espectáculo, o Zé meteu-se a fundo naquilo e tornou-se “ponto”, hoje já
nem se usa; mas ele lá estava todos os dias na caixa do ponto a bichanar o
texto para os autores e eu interrogava-me, porque é que este marmanjo se põe
ali enfiado, eu sabia a aversão que ele tinha às rotinas, e passou dois meses
naquela caixa, muito obediente e cumpridor; sabia a peça de cor, e às vezes
metia falas da peça a eito no café, se queria ser airoso com uma cachopa
qualquer; o sacana tinha mesmo graça. Mas a dedicação dele, que me intrigava,
quebrou-se assim que a peça estreou e o grupo começou a ensaiar o Édipo Rei. E interroguei-o, ó Zé, tanto
empenho na peça anterior e agora é o corte - que se passou? Sabes, diz-me ele,
em teatradas como esta, de opereta, sou menos pelo Sófocles que pelos seios da
Julieta… E ria. Perguntei-lhe pelo paradeiro da Julieta, e ele, fez a desfeita
de não entrar nesta peça porque o marido que é polícia desatou a ter ciúmes de
um pobre ponto que afinal só elevava a palavra até ela, até onde se respira e
as velas se tornam pandas… bela gávea é o que te digo! - e ficou-se por aqui. Nisso
era elegante, ficava pela sugestão. Esse caderno era dele, tem rascunhos de
alguns poemas dele, foi ele que me deu.
Olha, acabámos por vir para a metrópole porque a tua mãe não
gostava daquilo e eu tive uma chatice no jornal. Sabes o que nos lixa na vida: a
mania cristã de ser amistosos com os odiosos. E eles afinal são tão obstinados
que se estão nas tintas para a reciprocidade, a única coisa que os move é
galgarem por cima de ti, ou lixarem-te se atravessas o caminho deles. Nunca
soube lidar convenientemente com esta situação e sei que profissionalmente fui
várias vezes preterido por gente menos competente mas diante da qual eu cedia
devido a este meu princípio estúpido de procurar em primeiro lugar a harmonia,
o equilíbrio, um clima amistoso, um certo compromisso. É uma chatice quando
temos a manivela da agressividade avariada e confiamos como anhos na palavra
dada, acabamos por condescender com os tipos de mau fundo, os que à primeira te
fazem a folha. É assim, mas como ouvi ao Craveirinha, «não se muda facilmente o
coração para o ramo da construção». Ora, no jornal havia um afilhado do
director, um jovem ainda, com menos uns dez que eu, a quem apanhei a falsear
uma notícia. Em vez de o denunciar logo, quis endireitar o que estava torto,
fazer-lhe ver que procedia mal, mas que podia corrigir a conduta… enfim, o teu
pai era um padre. E afinal era mais que criancice, o tipo tinha sido pago por
alguém para isso, e ficou lixado de eu lhe ter comido aquele dinheirito. Tece
de imediato uma rede de intrigas que em poucos meses me pôs fora do jornal. O
que me valeu é que tive nessa altura um convite do teu tio para regressar a
Portugal e ir trabalhar para o Diário
Popular. Ele nessa altura tinha sido promovido a chefe das máquinas e
precisava de recrutar três ou quatro tipógrafos. E voltámos.
Aí fomos viver com o teu tio Manuel… e com a megera que ele
tinha em casa. O amor, e tu ainda não sabes nada disto pois tens tomado o
afecto pelas artes do perdulário, o amor precisa de uma respiração clemente, algo
como a pequena brasa que incandesce o tojo. Pobres os que o confundem com a
ruidosa arte do gargarejo. Mas o teu tio era assim: gostava das aparências, de
armar-se e de mulheres que se armavam... E vai arranja aquela galinha da índia.
Ou antes, da Mongólia. Nos seus olhos mongóis lia-se: o mundo é constituído por
mim e pela jazida de feldspato que eu piso. Para aquela megera o mundo tinha
sido criado para lhe aparar a mise do cabelo, os caprichos, os gritos… e se ela
gritava, meu Deus. A tua tia esmifrou-o completamente. Eu avisei-o. Vi a rês
que ela era no dia em que vinha do emprego e a encontrei sentada numa esplanada
no largo da igreja, a bebericar um porto e a matutar, Então Emília, não vem
para casa. Não vou já, tenho de resolver uma coisa… Mas que tem, tão pensativa…
Não sei que hei-de oferecer à minha mãe no dia dos anos, diz-me ela; Mas ela é
assim tão esquisita? Não, mas já tem tudo o que eu preciso…
O teu tio era mecânico dentário, naquela altura era uma coisa
nova e ele podia ter ganho muito dinheiro, foi a Espanha, passou lá três anos a
aprender aquilo, chegou e montou uma oficina, mas conheceu-a um mês depois, e
ela esmifrou-o desde a primeira hora. Depois fugiu com o Frazão da farmácia. O
tio não ficou muito bom. Tinha escondido tantas vezes a sua sombra debaixo do
tapete que lhe perdeu o rasto. Porque a gente não pode dizer uma coisa às cinco
da tarde, jurar pela alma de quem for que assim é que vai ser, e às dez da
noite seguir tudo o que a mulher quer. O negócio até lhe corria bem, mas ele
ficou à nora e de carretos trocados. Saiu de casa, deixou uma casa para nós e alugou
uma vivendinha para ele. Foi-nos mostrar a casa e tinha um colchão na
varandinha da frente. Era para ele dormir. Pergunta a tua mãe, ó Victor porque
não dormes lá dentro. E ele: aluguei a casa para alojar o medo. Dito por ele,
não estou para aqui a fazer literatura. Uma casa para alojar o medo. Ele dormia
cá fora, sob o alpendre, para ter o prazer de sentir o seu medo confinado. Na
garagem guardava todos os pertences de que o medo não se tinha apoderado, naquela
longa coabitação que era a deles. Do material de jardinagem, por exemplo, só
reservara à garagem o cortador de relva, nem sabia porquê, mas a maquineta
nunca lhe suscitara o mais leve broto de inquietação, a menor fantasia
horrífica. Mas a tesoura de poda, os ancinhos, adubos estavam dentro de casa.
Até o amplificador da aparelhagem, que ele foi a primeiro a ter na família,
sabe-se lá porquê, tinha enfiado dentro de casa… e a casota do cão mais o seu
hóspede, cuja imagem não se livrou da dentada de ratazana, afincada quando ele
pusera a mão lá dentro para mudar o forro de jornal do chão. E começou a ficar
lélé, a dizer, ia pela rua a dizer em voz alta: «quando a vi, percebi logo, tinha
de amar aquelas narinas, de fazer história no modo como respiram, ser os
pulmões onde a caixa do seu coração repousa…». Tínhamos isto na família, vinha
do meu pai, nem quando enlouquecíamos dizíamos coisas desconexas, fomos
educados para manejar o verbo. Foi o que lhe valeu, tornava-se risonho e como
toda a gente o considerava meio doido isso livrou-o de ser preso pela Pide, que
com ele não havia enredos e largava as postas de pescada consoante as pensava.
Foi nessa altura que aconteceu. Dois anos depois de uma
promessa sempre adiada. Acordámos e sentimos um sururu no café, debaixo de nós.
As vozes subiam pelas paredes, cautas, mas era um burburinho imparável. Fui à
janela e a própria cidade borbulhava; a nossa rua, normalmente tão recatada,
parecia envolta, como o bacalhau com natas, numa prata de silêncios e sílabas húmidas,
vivas. O contrário do que era hábito. Abri a rádio e, diziam os cabrões, o país
estava de luto; só havia música fúnebre, solene, e palavras pesarosas… Isso, o
Salazar tinha morrido.
Lembrei-me imediatamente de uma promessa que tinha feito ao
Craveirinha, tínhamos feito um pacto. E contei à tua mãe. Ela ficou num estado
de nervos e procurou demover-me. Foi acordar a tua avó e depois de cochicharem
a sós vieram as duas num choradinho, mas eu estava irredutível. Os teus filhos,
guinchava a tua mãe, que vai ser dos teus filhos, mas há coisas que os homens
têm de fazer para libertarem a bílis e se manterem à tona da dignidade e aí o
que tem que ser ter mais força que tudo. Vesti-me e saí para o trabalho, com um
sorriso nos lábios. E crê, meu filho, que é uma das coisas de que me orgulho,
podiam até escrever na lápide, fulano fez x no dia y, e isso resumia a minha
vida, porque se há algo que dê sentido a uma existência são os pequenos nada onde
um homem cabe inteiro e pelos quais sentimos que o pomar da nossa vida está
maduro.
No dia seguinte, recebi um telegrama do Zé: ele não tinha
faltado ao compromisso, e como eu, no dia anterior tinha posto a gravata
vermelha.
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