segunda-feira, 18 de junho de 2012

CERA, NA ORELHA DE VAN GOGH

                                                                        kandinsky

«Este mundo é dado ao homem como um enigma a resolver», escreveu Bataille. Transcrevo e concordo. Transcrevo e abismo-me. Claro que sim, claro que não: como a luz, na persiana às riscas.                                                                                        Encarar o mundo como enigma e perfurá-lo com uma opacidade que separa sujeito e realidade, afinal só instaura a dualidade. Ou não? Julgo que, frequentemente, a realidade se vela e unicamente se deixa captar de viés, veladamente, sendo a metáfora, apesar dos apesares, a sonda; enquanto noutros momentos somos participes na abertura que dispara o dulcíssimo canto da imanência, onde sujeito e (e)vidência estão síntonos. Inescusavelmente. Aí não há enigmas mas um fluxo de que fazemos parte.                                                                                                                 
Oscilamos entre uma e outra acostagem ao mundo e nos dois pertencemos a comunidades diferentes.                                                                                               Não pertencermos só a um dos lados secreta-nos o múltiplo, desafoga-nos da clausura. Infelizmente, há ainda quem não viva sem exclusões, ainda que – abnegadamente – confundido.

«Era incapaz de matar, mas não de matar-se. E jamais compreendeu a crueldade hu-mana e os homens de luta», escreveu Goytisolo sobre Cesare Pavese. E julgo que disse muito quanto à seriedade e sensibilidade do autor de Lavorare Stanca. Acho que foi imperfeitamente medida esta amplitude entre uma coisa e outra, talvez a mesma que Camus evocava quando sentenciava que «…sofrer não te dá direitos!», renúncia a tomar o outro como ecrã, o que traduz um respeito e coragem inauditos. Pois, o que é comum é vingarmos no outro o que sofremos.
Este virar para si o gatilho (bem sei que Pavese morreu de uma excessiva ingurgitação de barbitúricos) em vez de transformar a irresolução própria numa energia para viciar as relações com os outros, aceitando esculpir-se no silêncio, afigura-se um gesto de um homem fatigado mas inexoravelmente honrado.


Nunca deixou de me impressionar uma afirmação do Ernesto Sampaio, numa entrevista que lhe fiz: no Império Romano, à data da sua queda, havia 40 maneiras de refinar o azeite. Não creio que tivéssemos chegado a este requinte e contudo, tendo em vista a histeria com que fazemos gala de ter opinião sobre tudo e todos, é nítido que já não nos sabemos ouvir e nos comportamos como gueixas que já só encontram cera na orelha de Van Gogh.

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